NOVA YORK, EUA (FOLHAPRESS) – Dez anos atrás, 15 de setembro caiu numa segunda-feira. Um dia antes, Roberto Moraes, responsável pelo braço do Lehman Brothers no Brasil, lembra que estava almoçando numa churrascaria com a família, em São Paulo.

No meio do almoço, recebeu uma ligação do chefe nos Estados Unidos. A mensagem era curta, mas marcaria não só o paulistano, como também a economia mundial: “acabou”.

No dia seguinte, a 7.600 quilômetros dali, funcionários do Lehman Brothers eram fotografados saindo da sede do banco de investimentos, perto da Times Square, no coração de Nova York, segurando caixas com pertences pessoais.

“Até sexta-feira, a gente achava que o banco ia ser comprado. Eu tinha a impressão de que ia acordar na segunda com um chefe novo. Não foi o que aconteceu”, afirma, em entrevista à Folha de S.Paulo.

Com a falência do Lehman, decretada na manhã daquela segunda, o braço do banco de investimentos no Brasil se viu acéfalo. “Eu fui trabalhar e não tinha alguém para me falar o que fazer. As pessoas faziam perguntas, querendo saber o que ia acontecer, e eu não tinha noção”, diz.

Um ano e cinco meses antes, em abril de 2007, um espírito bem diferente tomava conta não só de Moraes, mas também dos funcionários que fizeram parte do escritório brasileiro do Lehman, na avenida Brigadeiro Faria Lima, centro financeiro de São Paulo.

“O Brasil estava indo muito bem, já fazíamos negócios com instituições brasileiras e víamos uma chance de aumentar os negócios aqui”, diz.

Na época, o país ainda era queridinho dos investidores e todo mundo queria tirar proveito do crescimento econômico. Por isso, depois de nove anos na sede em Nova York, Moraes foi transferido para o escritório de representação do banco em São Paulo.

Cerca de 25 funcionários trabalhavam no local, em atividades que envolviam a estruturação de dívidas de empresas interessadas em captar recursos no exterior e o auxílio a fusões e aquisições.

No país, o Lehman tinha licença para banco de investimento. “Pedimos uma licença bancária na época. Progredimos no processo, mas, graças a Deus, não obtivemos a licença antes do que aconteceu”, diz. Aqui, o banco era solvente, ressalta Moraes. “Tínhamos caixa. Não fomos à falência no Brasil.”

De Nova York, havia pouca transparência em relação ao real impacto da crise dos títulos podres sobre as finanças do banco. “O discurso das lideranças era sempre ‘animador’. Eles diziam que o banco era solvente, tinha caixa e que a dívida de curto prazo era sustentável”, conta.

Com uma década de trabalho no banco, Moraes diz ter acreditado, “por cegueira ou inocência”. Acompanhou o derretimento das ações do Lehman na Bolsa de Nova York -na máxima, em fevereiro de 2007, os papéis valiam US$ 86,18. Em 2008, até 12 de setembro, o valor das ações virou praticamente pó, com uma queda de 94,4%.

“Imaginávamos, no fim das contas, que tudo se arranjaria e nós seríamos comprados por outra instituição”, conta.

Foi o que aconteceu em março de 2008, quando o banco de investimentos Bear Stearns foi comprado pelo JP Morgan. No caso do Lehman, os rumores diziam que o Bank of America (BofA) ou o poderia assumir a instituição. Também se aventava um interesse do britânico Barclays.

“Eu vivi intensamente esse fim de semana. No sábado (14), meu chefe ligou dos EUA e disse que o BofA estava fora”, conta. O banco tinha acabado de fechar acordo com o Merrill Lynch para virar a maior instituição financeira americana.

“Mas ainda restava o Barclays. Não tem o que fazer, estávamos todos calmos”.

Quando o jogo acabou, Moraes se viu com dinheiro em caixa e com funcionários que pressionavam para receber o que tinham direito. “A gente não tinha ideia do que fazer com o dinheiro, porque era uma falência nos EUA. Eu não sabia se podia pagar salário”, afirma.

“Completamente no escuro”, decidiu consultar advogados no Brasil para saber o que poderia ser feito. A incerteza durou pouco. Um mês depois, em 14 de outubro, o BTG, de André Esteves, comprou o braço do Lehman no Brasil.

A venda foi orquestrada pela consultoria Alvarez & Marsal, que cuidou da liquidação mundial do Lehman.

“Eles não compraram com desconto, pagaram um preço justo e deram emprego para todo mundo”, afirma.

Hoje, ele é sócio de um fundo de crédito, o Livre, que faz descontos de recebíveis para médio e pequeno empresário. Da situação , ele pondera que tirou como lição a necessidade de “ser mais cético”. “Não dá para acreditar em Papai Noel.”