WÁLTER NUNES SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A advogada Isabel Kugler Mendes entrou no Complexo Médico Penal (CMP) de Pinhais, na região metropolitana de Curitiba, disposta a resolver algumas questões alimentares. Presidente do Conselho da Comunidade de Curitiba, um órgão de defesa dos direitos humanos, ela fiscalizava as condições do hospital do lugar e concluiu que os doentes em estado terminal deviam tomar um complemento vitamínico em pó para diluir em água.

Segundo um agente que a acompanhava, a defensora de 80 anos afirmou que o remédio ia melhorar “o final da vida deles”. Nas alas seguintes, ela visitou doentes psiquiátricos, depois grávidas, em seguida idosos e, por fim, chegou à sexta galeria, última do conjunto de prédios do antigo manicômio judicial.

Ali, num pavilhão com 32 celas, estão os presos da Operação Lava Jato. O problema no lugar era o confisco de barras de chocolates suíços, castanhas e frutas cristalizadas consideradas exóticas pelos agentes que fiscalizam a entrada de comida. “Se são permitidas duas barras de chocolate por preso, o que importa o lugar onde elas são feitas?”, questionou Isabel à direção do presídio.

No final, a advogada conseguiu que os doentes fossem alimentados com o suplemento e que os presos da Lava Jato ficassem com seus produtos importados. A relação dela com os sentenciados de Sergio Moro começou assim que a primeira leva foi transferida da Polícia Federal para o conjunto médico, em março de 2015.

Um empresário (cujo nome ela não revelou) chegou com depressão profunda e cogitou tirar a própria vida. Apesar de o CMP ser um lugar para tratamento psiquiátrico, o diretor do presídio preferiu pedir a ajuda da advogada. “Ele estava me esperando na biblioteca com a cabeça baixa. Conversei com ele, disse que as coisas não terminavam ali”, conta Isabel.

O homem ergueu a cabeça. Mais tarde assinou acordo de delação premiada e saiu cadeia. A habilidade em lidar com detentos é fruto da experiência de quase 45 anos frequentando presídios. Ela entrou a primeira vez pela cozinha. O ex-marido, José Justiniano Dias Paredes, o Zeca Paredes, era major da Polícia Militar e diretor da Colônia Penal Agrícola do Paraná. Foi convencido por ela a permitir o preparo de uma refeição especial para os detentos no Natal de 1973. “Coloquei os presos para me ajudar a fazer bolos”, diz Isabel. Zeca Paredes chegou a comandar todo o sistema prisional paranaense e nesse tempo Isabel formou-se advogada. O casamento acabou depois de 30 anos, mas as visitas às cadeias não pararam. Ela integrou o departamento de direitos humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e mais tarde assumiu o Conselho da Comunidade.

NEGOCIAÇÕES — Em 2014, enquanto a Lava Jato avançava em direção a políticos e empreiteiros, o Paraná enfrentava uma grave crise no sistema penitenciário. Rebeliões se espalharam, quase sempre com desfechos medievais, como decapitação de reféns. Isabel era chamada para negociar com rebelados e por fim aos motins.

Com os presos da Lava Jato, já em 2015, ela também fez acordos. Marcelo Odebrecht, assim que chegou, quis doar calçados para os mais de 600 prisioneiros do CMP, mas descobriu que não eram permitidas doações privadas. Isabel, então, fez com que os mais de 300 pares de tênis comprados pela Odebrecht entrassem no complexo como doação do Conselho da Comunidade.

O mesmo aconteceu com 700 cobertores doados pela Andrade Gutierrez. “Os outros presos são sempre muito pobres. Para eles [empreiteiros] não custava nada ajudar”, diz. Graças ao instituto também entraram na sexta galeria peças de antena e componentes eletrônicos que permitiram que a imagem das TVs dos “lava-jatos” ficassem mais nítidas.

Se ações assim conquistaram a simpatia dos detentos, nos carcereiros o efeito foi oposto. Eles a enxergam como “amiga de bandidos” e uma possível denunciante. “Eles não gostam da minha presença na cadeia, às vezes tentam dificultar meu acesso [aos presos]”, diz a advogada. Dois agentes penitenciários ouvidos pela reportagem sob a condição do anonimato confirmaram a antipatia pela advogada. O trabalho de Isabel também é atacado na própria página de internet do Conselho da Comunidade por pessoas que consideram um erro reivindicar condições melhores a pessoas acusadas de cometer crimes. A advogada afirma não se abalar. “Quero ajudar quem está nesse tipo de lugar. Seja ele pobrezinho ou milionário, a pessoa tem o direito de cumprir sua pena com dignidade.” Quando Odebrecht foi transferido para a carceragem da PF, pouco antes de tornar-se delator, ganhou dela um livro raro de poemas de Paulo Leminski (1944-1989). A obra tinha sido um presente do escritor para Isabel.