LUIZA FRANCO

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O pátio do presídio Bangu 9 virou palco de circo nos últimos dias. Durante o banho de sol dos presos, o acrobata e malabarista Pablo Martins, 23, o Pablo Prynce, se apresentava para colegas para se manter em forma.

Ele estava entre os 159 detidos em flagrante numa festa na zona oeste, que a Polícia Civil disse ser uma reunião de milicianos, mas que a Defensoria Pública, parentes dos presos e testemunhas dizem ter sido uma festa de pagode.

Pelo menos quatro pessoas foram mortas durante a operação, que foi celebrada como o mais duro golpe contra o crime dado pela intervenção federal na segurança pública fluminense. Pablo foi o primeiro dos detidos a ser solto, na tarde do último sábado (21).

Depois de comer o almoço da sogra, “que faz a melhor quentinha da comunidade”, receber amigos e falar com a imprensa, foi fazer o que mais gosta: jogar futebol.

Nascido e criado na favela do Aço, comunidade na zona oeste do Rio controlada por milicianos, Pablo sempre foi atlético. Chegou a passar em testes para o Flamengo, mas seu pai não pôde bancar as passagens de ônibus diárias para a sede do clube, na Gávea.

Entrou para o circo por causa de Jéssica, 23, com quem é casado. Ela era uma das alunas de um projeto social que ensinava artes circenses para as crianças da favela. Começou a fazer acrobacias e viu que havia um futuro ali.

Hoje trabalha como acrobata e malabarista na Up Leon, companhia circense que envia artistas brasileiros para apresentações na Europa.

Quando foi preso, estava de férias no Rio, com passagem comprada para Suécia, onde está em temporada em Estocolmo. Acabava de chegar de viagem quando Jéssica o convidou para a festa, divulgada no rádio e em redes sociais.

“Estávamos lá curtindo quando começou um tumulto e tiros, achei que fosse briga. Deitei no chão e falei para a Jéssica deitar também. Só me toquei que ia ser preso quando começaram a fichar todo mundo”, diz. Jéssica, assim como outras mulheres presentes, foi liberada pelos policiais.

Chegando em Bangu 9, presídio onde ficam milicianos, foi colocado numa cela com “nem sei quantos” outros. Dormia numa cama de alvenaria, sem colchão. “Mas tenho que agradecer aos agentes penitenciários, que sabiam que ali tinha inocente e nos trataram bem”, diz ele. Ficou lá por 14 dias, até ser liberado. Os outros 158 seguem presos.

“No caso de Pablo, o fator que o diferencia de todos os outros é a comprovação documental de que passa a maior parte de sua vida, atualmente, fora do país”, afirmou o juiz que determinou sua soltura, Eduardo Hablitschek.

Pablo embarca para a Suécia na terça (24), mas segue investigado. Caso seja acusado pelo Ministério Público, responderá à ação em liberdade.

Parentes de presos estiveram presentes em coletiva de imprensa na Defensoria Pública neste domingo(22). Trouxeram carteiras de trabalho dos detidos, fotos, contratos e cartazes que diziam: “Não era festa de milícia” e “Justiça”.

Elza do Vale, mãe de Thiago do Vale, 33, desmoronou diante das câmeras. “Estou com vergonha de ser brasileira. Não estamos numa ditadura. Onde estão nossos direitos? Por ser pobre, morador de favela, não tem?”, questionou, chorando.

Segundo ela, Thiago era garçom, mas estava desempregado. “Ele só foi na festa porque eu dei para ele os R$20 do ingresso. Que miliciano é esse que não tem R$20 no bolso?”.

Segundo a Polícia, a festa foi organizada pela Liga da Justiça, milícia que atua no Rio e em municípios da Baixada Fluminense e da Costa Verde.

Os investigadores dizem ter informações de que a festa era uma homenagem a milicianos e que só convidados podiam ir. Os 159 homens foram detidos em flagrante suspeitos de associação criminosa e porte compartilhado de armas. Foram apreendidos 13 fuzis, 15 pistolas e carros roubados.

A Defensoria e parentes mostraram cartazes e registros de chamadas públicas para festa. Os participantes dizem que pagaram ingressos. Segundo parentes, a polícia prendeu todos os que pôde, sem perguntar quem eram.

A Defensoria Pública questiona o fato de a Justiça não ter individualizado as investigações. “A presunção de inocência foi desconsiderada. A Constituição foi rasgada. Cometeram um erro e não sabem como desfazer”, disse o defensor-geral, André Castro.

Já a Polícia Civil diz que todas as prisões foram convertidas em preventivas pela Justiça. “Em audiências e decisões que passaram pelo crivo da Justiça não foi mencionada nenhuma ilegalidade. No Estado Democrático de Direito, quem decide sobre a culpabilidade durante o processo criminal é o Judiciário.”