Talvez seja importante começar essa coluna, a explicar o que é uma metáfora: figura de linguagem que estabelece uma transferência do significado de uma palavra para outra, por meio de uma comparação não explícita; a paixão queimou-me; dou asas a imaginação – segundo explica o dicionário online da Língua Portuguesa. Logo presumo que a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves em seu pronunciamento de posse na última quarta-feira (02) ao dizer “é uma nova era no Brasil. Menino veste azul e menina veste rosa”, seguido da defesa da agenda “contra doutrinação ideológica e de gênero nas escolas, preservação da vida na concepção e seguir princípios cristãos”, ela não usou uma metáfora, ela foi literal na divisão clássica da paleta de cores e comportamento social, segundo suas crenças.

O objetivo aqui não é o discurso mais do que mofado, mas trazer à tona o limite embutido na expressão pessoal e a diversidade de cores. O mundo das aquarelas e matizes são infinitos, estudos para cinema e emoções, a Pantone 2019 com a “living coral”, a cor do ano e assim por diante.

Eu sofria o drama na infância da minha filha, com as lojas de departamento dividindo o mundo rosa e azul, em limites damarianos e a menina sempre apaixonada pelo azul já questionava “mãe, porque não tem roupa azul para mim”? Reforçar o estereótipo nos ajuda em quê?

A comunicação das cores –  O jornalista de cultura Abonico Smith, do Mondo Bacana faz uma análise interessante sobre a importância da expressão urbana. “A new wave usava roupas de cores berrantes: roxo, rosa, verde-limão, azul-turquesa, quanto mais bizarra a combinação, melhor. O rock desde os tempos de Little Richard é um veículo para questionamentos e propostas ousadas a respeito de gênero, ele usava terno amarelo nos anos 50. Acho que a cultura de rua, a cultura urbana, já questionava isso há seis décadas e propunha novas experiências, avanços”, analisou.

Outra questão observada se refere a posição da ministra ao associar valores pessoais a uma condição de separação de cores, a fim de posicionar quem é quem na ordem do dia, embora depois tenha “reparado” sua declaração dizendo se tratar de uma metáfora e que meninas e meninos podem usar as cores que quiserem, ufa!

Na consulta em meu perfil do Facebook, onde busquei opiniões diversas, Fernando Alves foi taxativo; “O que me incomoda nessa fala é a ignorância, no seu sentido mais literal, de uma pessoa que ocupa um cargo de primeiro escalão e tem o poder de influenciar milhões de pessoas. A cor não é o que importa, mas sim o pensamento, raso, cartesiano e dual de uma ministra que imagina um mundo com apenas duas possibilidades. Isso é muito triste”!

Mayara Godoy também se revelou preocupada com esses padrões. “Eu vejo com preocupação, sim, o reforço aos estereótipos, a sinalização de retrocesso ao não reconhecer diferentes orientações sexuais, a forte inclinação a impor valores religiosos, entre outros conservadorismos que, bem sabemos, são a semente da opressão”.

Vale lembrar que contrapontos são necessários, uma vez que fundamentados em argumentos que se conversem com o bom senso. Mas por enquanto tiro o cartão amarelo.