ALEX SABINO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma das histórias que Joey Barton, 34, mais gosta de contar aos amigos é sobre seu primeiro dia na prisão de Walton, na Inglaterra. Ele esperava o pior. Era um jogador de futebol famoso, então no Newcastle, da primeira divisão, condenado a passar seis meses na cadeia. Era alvo fácil para os outros detentos.
Parecia uma confraria entre amigos. Ele encontrou uma dúzia de ex-colegas da escola. Amigos de longa data do seu pai vieram apresentar-se. A pena se tornou quase uma longa temporada em Huyton, o problemático distrito próximo a Liverpool onde nasceu.
“Joey não quer falar neste momento. Não crê que tem nada a ganhar. O melhor é ficar calado. Desculpe”, foi a resposta de Eddy Jennings, agente e assessor de Barton para o pedido de entrevista.
Barton decidiu se aposentar após ser suspenso por 18 meses pela Federação Inglesa. Ele quebrou as regras da entidade ao fazer apostas em partidas de futebol profissional. Foram 1.260 entre março de 2006 e maio de 2013. Colocou dinheiro em jogos de seus clubes. Algumas vezes, apostou que estes perderiam. Mas sempre, como fez questão de deixar claro, quando não estava jogando, por suspensão ou lesão. Também foi multado em cerca de R$ 150 mil.
Durante duas semanas, a Folha conversou com Jennings, técnicos e jornalistas que acompanharam a trajetória de um dos mais polêmicos nomes da história recente do futebol. Volante com histórico de agressões, uma prisão, suspensões, tratamento contra o vício de apostas e terapia para reduzir a raiva, foi um dos raros jogadores capazes de citar o filósofo alemão Nietzsche, fã da banda de rock britânico The Smiths e com coragem para desafiar qualquer poder estabelecido.
“Joey tem uma inteligência acima da média. Ele teve seus problemas, todos bem documentados pela imprensa. Mas não tenho nada a dizer de mau sobre ele. Ajudou-me muito. A suspensão que recebeu foi rigorosa demais”, afirma, por meio da assessoria de imprensa do Burnley, o técnico Sean Dyche. Barton estava no clube quando foi suspenso.
Na era do Twitter, onde opiniões definitivas sobre qualquer assunto ou pessoa são dadas em 140 caracteres, o jogador ganhou quase três milhões de seguidores. É citado cerca de 200 mil vezes por mês na rede social. Quando o Newcastle o fez treinar sozinho após ter sido expulso em uma partida, ele tuitou:
“Em tempos de enganações universais, contar a verdade será um ato revolucionário”.
A frase é do escritor e jornalista inglês George Orwell, famoso pelos livros “1984” e “A Revolução dos Bichos”.
“Se você quer um jogador de futebol comum, dentro e fora de campo, Joey Barton não será sua opção. Pena que o talento dele foi ofuscado na maior parte das vezes pelos problemas longe dos gramados”, declara o ex-lateral Stuart Pearce, que foi técnico do volante no Manchester City.
Ao mesmo tempo que acha o momento certo para dizer que “fama, fama, total fama pode fazer truques odiosos na sua mente”, citando a música “Frankly, Mr.Shankly”, de “The Smiths”, é capaz de apagar um cigarro no olho de Jamie Tandy, companheiro de Manchester City, durante uma festa de Natal do clube, em dezembro de 2004. Ou quase brigar com todo o time do próprio City na última rodada do Campeonato Inglês de 2012, quando atuava pelo Queen’s Park Rangers. Teve de ser arrastado para o vestiário.
“A violência é estranhamente hipnótica, quase orgânica na sua pureza”, ele escreveu em sua autobiografia, “No Nonsense” (algo como “Sem brincadeira”, em tradução livre), publicada no ano passado.
É uma citação que encontra paralelo na conclusão de Sigmund Freud, pai da psicanálise, ao afirmar que todos os seres humanos carregam dentro de si uma fúria incontrolável.
Em maio de 2007, teve discussão com o colega de elenco Ousmane Dabo durante um treino do Manchester City e o nocauteou com um soco. Processado pelo jogador, foi condenado a quatro meses de cadeia. A pena foi suspensa, mas ajudou a mandá-lo para a prisão em Walton quando foi detido pela polícia sete meses depois por causa de briga em uma boate de Liverpool.
A mesma fúria que carregou nas opiniões e para escrever (ou dizer), sem filtros, o que pensa, a colocou em apuros.
Quando estava no Olympique de Marselha (FRA), ele chamou o zagueiro brasileiro Thiago Silva de “travesti com sobrepeso”. Deu várias alfinetadas em Neymar e o definiu como o “Justin Bieber do futebol”.
Segundo Jennings, Barton está acostumado a situações de conflito e cresceu com elas. Lembra história de quando um circo apareceu em Huyton e o levantador de peso jogou pela janela do pub um homem que havia se engraçado com a trapezista. O agredido fazia parte da Huyton Baddies, a gangue do pai de Joey. Eles botaram fogo no circo e bateram em todos os que não foram espertos o bastante para correr. Um dos membros da gangue achou que seria boa ideia abrir as jaulas dos animais…
Sua carreira como jogador foi um grande conflito, uma coleção de inimigos. Jogadores, jornalistas e técnicos. Ele chamou o ex-meia do Liverpool e da seleção alemã, Dietmar Hamman, de “inseto” e “idiota”. Disse se vestir melhor e ter mais personalidade que o ex-atacante e comentarista Alan Shearer, da BBC. Ironizou Brendan Rodgers, técnico do Celtic, da Escócia, ao dizer que ele reclamava muito porque passava por “uma crise de meia-idade”.
“Grande parte da punição, que achei excessiva, foi porque se trata de Joey Barton e todos têm uma opinião sobre ele. Proibir o rapaz de não jogar por 18 meses… Ignora a doença que ele tinha, o vício de apostar. Eu posso falar porque passei por isso”, afirma Derek McInnes, técnico do Aberdeeen, da Escócia, que enfrentou Barton na última temporada, pela liga local.
As pessoas ligadas ao agora ex-volante sinalizam a possibilidade de uma carreira como comentarista. Ele já teve participações esporádicas em transmissões de jogos do canal BT Sports, do Reino Unido. Saiu-se bem, principalmente por perceber que não pode dizer ao microfone tudo que vem à mente.
“Fiz tantas besteiras na vida quanto fossem possíveis, mas nunca roubei ninguém. Não sou um mentiroso. Tenho princípios que são caros para mim. Se pudesse voltar no tempo e mudar algumas coisas, faria isso. Mas não posso. Tudo o que posso fazer é mudar meu mundo para melhor, um dia de cada vez”, ele escreveu em sua autobiografia.