* Marina Amari 

A qualificação do contrato Airbnb emergiu como um debate intrigante. Seria locação por temporada? Hospedagem? Ou um contrato atípico?

Algumas peculiaridades do Airbnb suscitam questionamentos dessa ordem. É comum que o imóvel seja reformado para suportar mais pessoas, e que haja uma alta rotatividade em razão das sequenciais contratações da plataforma. O uso do imóvel costuma se dar em um curto período de tempo e podem ou não ser convencionados serviços auxiliares, como internet, lavanderia, alimentação, e assim por diante. Em outro vértice, também existem situações em que o imóvel é ofertado por vários meses e que serviços adicionais não estão inclusos.

O Airbnb adentra o que se tem chamado de economia colaborativa. Novas formas negociais são criadas e ofertadas ao público no intuito de facilitar o acesso ao serviço e englobar diferentes estratos.

No final de abril, o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento do REsp nº 1819075/RS, entendeu que o Airbnb configura “contrato atípico de hospedagem”, e que os condomínios residenciais poderiam impedir o uso dos imóveis para esse fim.

Antes disso, havia quem acreditasse que se trataria de locação por temporada, pois não teria a remuneração o condão de conferir o caráter de hospedagem. Em outra vertente, os defensores da qualificação pela hospedagem, geralmente contrários à possibilidade de utilização da plataforma em condomínios residenciais, argumentavam que a característica emergiria da curta duração do contrato, bem como dos serviços ofertados pela plataforma, aptos a atrair o caráter comercial da atividade.

Até o ano passado, no julgamento do REsp nº 1819075/RS, o Ministro Luis Felipe Salomão, relator do aresto, havia votado pela impossibilidade de os condomínios restringirem a operação Airbnb, em atenção à possível violação do direito de propriedade. O Ministro compreendia que não se tratava de contrato de hospedagem, dado que seria essencial à hospedagem a oferta de um plexo de serviços, como limpeza, arrumação, portaria e afins. No caso específico analisado pelo STJ, havia, de maneira acessória, a concessão de serviços de lavanderia e internet.

O processo estava com vistas do Ministro Raul Araújo, que abriu a divergência. O Ministro apontou que a atividade do Airbnb desvirtuaria a finalidade residencial do condomínio. Compreendeu que se trataria de “contrato atípico de hospedagem porque também inexistente, nas peculiares circunstâncias em que se dá a prestação do serviço, qualquer estrutura ou profissionalismo suficiente, exigidos na legislação pertinente, para a caracterização da atividade como empresarial e, assim, atrair a incidência da Lei 11.771/2008, referente ao turismo e à atividade de hospedagem típica”.

Todavia, qualificar o Airbnb como contrato atípico de hospedagem é uma contradição em termos.

Contratos típicos são aqueles que possuem uma disciplina jurídica prevista pelo ordenamento. Tanto a locação quanto a hospedagem são contratos típicos. Logo, se o STJ afirma que o Airbnb é um contrato de hospedagem, é necessário também reconhecer que as normas da Lei 11.771/2008 a ele se aplicam. A decisão, portanto, deve ser entendida no sentido de que o Airbnb não se identifica totalmente à hospedagem — tanto é assim que o STJ declarou que a Lei 11.771/2008 não se ajusta ao Airbnb.

Importante frisar que a estipulação de contratos atípicos é assegurada pelo ordenamento (art. 425, Código Civil). Significa dizer que os contratantes podem livremente criar negócios, desde que não violem normas de ordem pública. Aliás, é natural que novos contratos sejam constantemente criados e aperfeiçoados, em razão da criatividade negocial e à necessidade de aprimorar as técnicas utilizadas no meio, a fim de obter maior lucro e eficiência.

A princípio, tais contratos são regulados pelas normas gerais sobre obrigações e contratos dispostas no Código Civil. Dessa forma, não há qualquer óbice ao reconhecimento de que o Airbnb configura contrato atípico, puro e simplesmente.

O cuidado é necessário em razão das diferentes consequências jurídicas a serem tomadas pelo intérprete ante à lacuna legislativa sobre o tema. Se compreendido o Airbnb como hospedagem, forçoso crer pela aplicação da legislação sobre o contrato, conforme acima mencionado. Todavia, se compreendido que o Airbnb é locação por temporada, adotam-se os dispositivos existentes na legislação do inquilinato sobre essa modalidade, fato que pode impactar a interpretação de que os condomínios poderiam proibir a atividade. Vale destacar, inclusive, que a curta duração dos contratos de locação por temporada não afasta, por si só, o argumento de que não seria possível qualificar o Airbnb dessa forma, dado que a Lei de Locações prevê apenas um prazo não superior a 90 dias, sem que haja vinculação a um mínimo temporal.

Muito embora a decisão do STJ não tenha sido proferida em caráter vinculante, abriu-se o caminho para que as convenções de condomínio possam afastar a utilização das unidades para tal fim de maneira expressa. Decisões em sentido semelhante já podem ser vistas, por exemplo, nos tribunais de São Paulo e do Paraná.

Não se pode deixar de considerar, contudo, que tal julgado foi prolatado em um contexto muito especifico, sendo inadequado afirmar peremptoriamente que o Airbnb está proibido nos condomínios, com exceção dos casos em que há estipulação condominial nesse sentido. Não se deve perder de vista, também, que as particularidades do caso concreto, como acima mencionado, exigem uma acurada análise a respeito do Airbnb, sendo conveniente não adotar tal premissa sem ponderada análise.

*A autora é mestre em Direito pela UFPR, advogada no escritório Assis Gonçalves, Kloss Neto e Advogados Associado. 



DESTAQUE 

Projeto de Lei altera o tipo de responsabilidade das instituições financeiras, por financiamentos às empresas que causarem danos ambientais

Tramita na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 702/2021 que altera a Lei no. 6.938/81, que responsabiliza instituições financeiras, bancárias ou de crédito, públicas ou privadas, por danos ambientais causados por obras ou empreendimentos potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos ambientais financiados por elas.

    Proposta pelo deputado Carlos Bezerra (MDB-MT), o PL prevê que referidas instituições terão que adotar medidas como a análise prévia da adequação da obra, empreendimento ou atividade às normas ambientais vigentes, além do monitoramento periódico da atividade financiada e de processos judiciais, inquérito civis, ações civis e termos de ajuste de conduta em material ambiental. 

    De acordo com Claudia Teixeira Veiga, advogada e especialista do Núcleo de Direito Ambiental do Nelson Wilians Advogados, filial de Curitiba, a responsabilidade civil em matéria ambiental às instituições financeiras, atualmente, é objetiva e solidária. Se o projeto de lei for aprovado, significa que a responsabilidade civil ambiental das instituições financeiras passará a ser subjetiva, ou seja, será necessário a comprovação de culpa das instituições de crédito pelos danos causados. “De maneira simples, as instituições financeiras de créditos não serão consideradas poluidoras, desde que comprovem ter cumprido plenamente seu dever de diligencia ambiental em relação aos projetos, obras, empreendimentos e atividades que financiam ou fomentem, conforme tratado na Lei”, explica. 

    Na opinião de Claudia Teixeira Veiga, do Nelson Wilians Advogados, o projeto de lei é favorável ao meio ambiente. Atualmente, a responsabilidade civil ambiental objetiva imputada às instituições financeiras de crédito, pelos projetos por elas financiadas e que envolvem riscos ambientais, traz um certo desequilíbrio de incentivos, até mesmo para a proteção ambiental, uma vez que, desestimula o desenvolvimento econômico, em sintonia com os princípios do desenvolvimento sustentável e da ordem econômica, inscritos nos artigos 170 e 192 da Constituição Federal, como bem justificado no Projeto de Lei. 



TÁ NA LEI 

Lei n. 13.871, de 17 de setembro de 2019.

Artigo único. O art. 9º da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 4º, 5º e 6º:

Art. 9º  ……………………………

§ 4º  Aquele que, por ação ou omissão, causar lesão, violência física, sexual ou psicológica e dano moral ou patrimonial a mulher fica obrigado a ressarcir todos os danos causados, inclusive ressarcir ao Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com a tabela SUS, os custos relativos aos serviços de saúde prestados para o total tratamento das vítimas em situação de violência doméstica e familiar, recolhidos os recursos assim arrecadados ao Fundo de Saúde do ente federado responsável pelas unidades de saúde que prestarem os serviços.

§ 5º  Os dispositivos de segurança destinados ao uso em caso de perigo iminente e disponibilizados para o monitoramento das vítimas de violência doméstica ou familiar amparadas por medidas protetivas terão seus custos ressarcidos pelo agressor.

§ 6º ressarcimento de que tratam os §§ 4º e 5º deste artigo não poderá importar ônus de qualquer natureza ao patrimônio da mulher e dos seus dependentes, nem configurar atenuante ou ensejar possibilidade de substituição da pena aplicada.

Essa Lei alterou a Lei Maria da Penha para responsabilizar o agressor pelo ressarcimento dos custos relacionados aos serviços de saúde prestados pelo SUS às vítimas de violência doméstica e familiar. 



PAINEL JURÍDICO 

Webinar gratuito

A  Associação dos Advogados de São Paulo promove hoje (18/08), às 19 horas, o webinar gratuito “Advocacia e a importância da sua atuação para a sociedade: Advocacia e diversidade”. Informações e inscrições: www.https://mesdaadvocacia.aasp.org.br/

APLJ

O professor Eduardo Talamini e o desembargador José Laurindo de Souza Netto, presidente do TJ do Paraná, tomaram posse como membros da Academia Paranaense de Letras Jurídicas – APLJ, em cerimônia virtual, no último dia 30 de julho. Na ocasião também foi empossada a nova Diretoria que será presidida pelo desembargador Clayton Maranhão para a gestão 2021-2023. Integram ainda a Diretoria: Carlyle Popp (vice-presidente), Graciela Marins (secretária) e Rogéria Dotti (tesoureira).

Bem de família

Se o bem de família é penhorável para satisfazer dívida relativa à sua aquisição, um novo bem de família adquirido com o dinheiro oriundo da sua venda também estará sujeito a penhora. O entendimento é da 3ª Turma do STJ.

Teste Covid

A 11ª Câmara Cível do TJ de Minas Gerais confirmou decisão, da comarca de Governador Valadares, que condenou a Unimed a indenizar uma paciente em R 2 mil, por danos morais, por ter negado a solicitação de exames para covid-19. 



DIREITO SUMULAR

Súmula 643 do STJ – A execução da pena restritiva de direitos depende do trânsito em julgado da condenação. 



LIVRO DA SEMANA

A advogada e docente cuiabana, Wellen Candido Lopes, levanta uma bandeira que vai além das fronteiras do Mato Grosso e pretende mobilizar os profissionais do Direito de todo o país. Com base em um dispositivo legal, previsto no Código de Processo Civil, ela defende o pagamento integral de honorários nos casos de sucumbência recíproca. Os argumentos são apresentados na obra Honorários 100% – A integralidade dos honorários advocatícios na sucumbência recíproca, publicado pela Lura Editorial. Para mobilizar a categoria, a autora criou uma campanha em um site próprio com textos e vídeos sobre o tema. Nele, estudantes de Direito e advogados também podem acessar e baixar gratuitamente o eBook do livro. Segundo Wellen, os juízes vêm mantendo o rateamento dos honorários nas decisões judiciais de sucumbência recíproca, que ocorrem quando autor e réu ganham e perdem a causa, a um só tempo. Ela explica que pelo artigo 21 Código de Processo Civil de 1973 era assim, mas isso mudou em 2015 com o novo CPC, que prevê – no caput do artigo 86 – a divisão entre autor e réu somente das despesas, sem fazer referência aos honorários. Por isso, no livro ela trata a abordagem como um insight, ao questionar o valor semântico na aplicabilidade do artigo 86. A estagnação jurídica, afirma, é um dos problemas a serem
superados diante da dinâmica do Direito.