BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A equipe de Jair Bolsonaro (PSL) planeja ampliar o uso de ações especiais, conhecidas como “golden shares”, para aplacar resistências e viabilizar seu programa de privatizações, avaliado em R$ 700 bilhões.

Golden share é uma ação exclusiva que o Estado pode impor ao privatizar uma estatal.

O instrumento, que já era comum em outros países, foi usado pela primeira vez no Brasil durante o processo de desestatização em 1990.

Empresas como CSN, Vale e Embraer foram privatizadas com golden share.

Essa ação dá poder de veto ao governo, mesmo na condição de minoritário, em decisões como a venda de controle ou mudança de local de sede, por exemplo. Os direitos do Estado variam de acordo com cada empresa privatizada.

O plano de aliados de Bolsonaro, caso o capitão reformado do Exército seja eleito, é vender o controle de cerca de 150 estatais –um terço delas criadas nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, ambos do PT.

O objetivo é usar os recursos das privatizações para abater parte da dívida pública e, ao mesmo tempo, estancar a corrupção nas estatais.

Em um eventual governo Bolsonaro, a golden share seria útil para diminuir a resistência de parte dos aliados do candidato à privatização ao garantir o interesse do Estado em questões consideradas estratégicas.

No caso da Eletrobras, integrantes de sua equipe disseram inicialmente que Bolsonaro levaria a venda adiante.

Depois de discussões internas, o candidato afirmou que não privatizará a estatal caso chegue à Presidência.

Ele também se mostrou crítico à venda de empresas como Petrobras e Furnas.

Escolhido pelo candidato como seu eventual ministro da Economia, Paulo Guedes já foi contrário à adoção da golden share no passado.

Isso porque, ao impor ao comprador direitos limitados sobre a empresa, a ação especial reduz o seu valor de mercado.

Atualmente, esse debate está na mesa de negociação da Embraer que, em julho, recebeu uma oferta de US$ 4,75 bilhões (R$ 17,6 bilhões) da Boeing.

Quando a Embraer foi privatizada, o governo ficou com uma golden share que lhe dá poder de veto à operação.

Analistas de mercado estimam que a oferta da Boeing tem um desconto que varia entre 30% e 40% por causa da ação especial.

Foi o caso Embraer que fez o assessor econômico de Bolsonaro mudar de ideia. Depois de conversas com investidores, Guedes foi convencido da importância da golden share.

Na empresa aeronáutica, o governo conseguiu emplacar condições para a fabricação de peças e de formação de engenheiros que preservaram interesses nacionais na geração de empregos e de tecnologia.

Na visão de Guedes, isso tem valor e deve ser considerado na hora de privatizar uma estatal, mesmo com o desconto na hora da venda.

A ideia está alinhada com a posição do grupo de generais que apoiam Bolsonaro.

Eles aceitam as privatizações desde que seja preservada a “soberania nacional” em áreas estratégicas, como energia.

A liberalização da economia defendida por Guedes deve levar em conta os interesses do país, na visão dos militares. Para analistas do mercado financeiro, porém, o conceito de estratégico já não caberia no caso da Eletrobras, uma vez que a companhia responde por apenas 30% da geração de energia do Brasil.

Uma golden share, segundo eles, faria sentido apenas no caso de Itaipu, porque envolve o Paraguai e está em área de fronteira.

No fim do ano passado, o próprio Bolsonaro afirmou que pretendia usar a golden share no seu plano de privatizações.

Naquele momento, a preocupação maior do candidato era que o controle de estatais fosse entregue a estrangeiros, principalmente chineses.

A adoção de golden share também poderia ajudar nas discussões com o Congresso Nacional, que decide sobre boa parte das privatizações e vem se mostrando resistente.

Na Eletrobras, por exemplo, o governo só conseguiu vender quatro de seis distribuidoras.

A posição da equipe de Bolsonaro representa uma reviravolta. No governo atual, a equipe econômica chegou a propor a venda da golden share na Embraer, sinalizando uma tendência de desuso dessas ações.

O TCU (Tribunal de Contas da União) foi consultado e se posicionou favoravelmente à venda da golden share, segundo pessoas que acompanham as discussões.

A condição imposta é que seja feito um cálculo de quanto vale essa golden share e que o valor volte para a União.