Duon Nhân – O desapego é um rompimento com a carga emocional daquela situação

Mariá tinha uma mesinha de madeira talhada pelo avô. Ganhou o presente aos nove anos, durante as férias de verão em seu sítio no interior. Passados 30 anos, a mesinha com algumas lascas das mudanças, corroída pela ação de cupins, brilhosa pelo verniz com pesticida, não poderia mais acompanhá-la em sua ida para outro país. Luiz ensaiou umas 20 vezes para se desfazer da foto da mulher que amou há uma década. Toda vez encontrava um motivo para guardar o papel com fissuras de quase destruição. Luiz já amava outra mulher, mas o fato de se desfazer daquele papel, significava romper com a ilusão da memória.

Rejane não gostava de Paulo, nem de César e tampouco de Túlio, mas não conseguia deixar de manter os contatos contínuos e aleatórios com o trio. Isso lhe dava a sensação de vínculo e de que não precisava se aventurar por outras relações, embora essa comunicação com Paulo, César e Túlio não significasse mais, do que o menos que carregava dentro de si. 

Esses personagens fictícios, ilustram o mesmo dilema: o desafio do desapego. E desapego aqui, como a chave para passar para a próxima fase. Aquilo ou aqueles que se levam na bagagem. Memórias, afetos podem nos acompanhar sem problema algum. Digo, quando se é tomada a decisão de desapego sem dor, ou com dor para abraçar a maturidade.

A vaidade, a raiva e o adeus –  Freud já dizia que o sujeito é produto de suas experiências e história de vida, então o desapego é um rompimento com a carga emocional daquela situação, objeto ou pessoa.

Rejane talvez não se desapegue da relação líquida do trio, por pura vaidade. Ali encontra o desejo, a libido e outras formas de prazer que a mantém nesse cativeiro. Ao colocar um fim nesse vínculo, se desapega da falsa atenção e carinho que preenche um espaço de carência. O desapego é por definição “perder a afeição de” e olhar para frente, com acenos ou simplesmente uma saída de cena (para alguns o “ghosting”).

Em contrapartida, Luiz é a figura da raiva contida, o ressentimento, a insistência da preservação de um tempo inexistente. Se é feliz com alguém no presente, o que o leva a se apegar a uma foto de uma história passada? Aqui não se sugere a raiva como ação reativa, e sim, uma possibilidade de não aceitação da finitude do que foi vivido. Rasgar a foto significa olhar para o que vive agora e assumir por completo.

O adeus é o dilema de Mariá, que pode presumir descaso com uma lembrança afetuosa ou esforços mínimos para ficar com a mesinha do avô. Culpa! Algo implantado culturalmente para nos ferir de padrões que aceitamos como verdadeiros. O material é algo palpável para nos sentirmos vivos e conectados com a realidade. Desapegar do mimo é como uma ruptura do real com o que passa a ser uma memória.

E o amor? – Dessa reflexão sobre o desapego, esbarramos no corredor do pensamento sobre onde tudo isso nos leva. O amor surge no pátio central das emoções. Há desapego nessa seara? Nina descobriu que pode amar outra pessoa, um gato, um almoço em família, uma corrida na rua com o filho. Lia superou relacionamentos, viu as coisas e pessoas sem filtros e não guarda desafetos. Rô ainda permanece com a dúvida sobre se o que amamos é outra pessoa ou o sentimento que temos por elas e por isso temos a dificuldade em desapegar.

Essa história é para outra coluna. Até breve!

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*Ronise Vilela é criativa de conteúdos de Comunicação Afetiva e Psicanalista Integrativa. Contatos via WhatsApp AQUI

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Essa coluna tem o apoio da Consonare – maior plataforma de Terapias Integrativas da América Latina.