FABIANO MAISONNAVE

CARACAS, VENEZUELA (FOLHAPRESS) – Após a abstenção recorde na votação deste domingo (20), a coalizão oposicionista MUD (Mesa da Unidade Democrática) exigiu a realização de um novo pleito no fim deste ano e prometeu convocar protestos pela Venezuela.

“Continuamos lutando por eleições livres e transparentes, com todas as garantias e que se celebrem no final do ano para que o povo se expresse”, afirmou o presidente da Assembleia Nacional (de maioria opositora), Omar Barboza, em entrevista coletiva.

O parlamentar falou na condição de porta-voz da Frente Ampla, que pregou o boicote eleitoral e reúne a MUD, a Igreja Católica venezuelana e grêmios de estudantes universitários, entre outras organizações pró-democracia.

Barboza disse que a oposição continuará apoiando manifestações de rua contra o ditador Nicolás Maduro para pressionar por eleições “limpas e transparentes”.

À Folha o coordenador da MUD Ángel Oropeza afirmou que as manifestações do ano passado, que deixaram ao menos 121 mortos, “não resistiram à repressão do Estado”, mas que protestos pontuais continuam pelo país.

“Vamos tentar fazer com que os protestos tenham relação entre si. O país já está em ebulição.”

Questionado sobre o que a MUD classifica de processo eleitoral limpo, Oropeza mencionou um Conselho Nacional Eleitoral (CNE) independente (o atual é tutelado pelo chavismo), observadores internacionais e revisão dos registros eleitorais.

Com 98,8% das urnas apuradas, a abstenção chegava a 54%, a mais alta já registrada em eleições presidenciais na Venezuela. No pleito anterior, em 2013, havia sido de 20,3%.

O ditador Nicolás Maduro obteve 67,7% dos votos, contra 21% do oposicionista Henri Falcón.

No cômputo geral, 24% dos 20,5 milhões de venezuelanos aptos a votar escolheram Maduro, acusado por Falcón de coagir os eleitores no dia de eleição. O ex-chavista não reconheceu o resultado e também pediu nova eleição.

Derrotado em 2013 e impedido de concorrer no domingo, o líder opositor Henrique Capriles publicou um texto na internet no qual afirma que a abstenção é “uma manifestação contundente do verdadeiro clima político vivido na Venezuela” e pediu a união da coalizão oposicionista.

Para o cientista político John Magdaleno, apesar da alta abstenção, Maduro foi o grande vencedor de domingo.

“O oficialismo não ganhou no sentido eleitoral. Todo mundo sabia que não era uma votação competitiva”, diz. “Mas a eleição gerou um processo amargo no seio da oposição, que tornou impossível uma estratégia conjunta.”

É uma referência à candidatura de Falcón, lançada às margens da MUD e estopim de intenso debate entre os que decidiram votar e os que optaram pela abstenção. Magdaleno defendeu a participação.

Dono de uma consultoria privada, o cientista político tem sustentado que, para redemocratizar o país, é preciso “produzir uma fratura na coalizão dominante”.

Magdaleno fez um levantamento de 61 casos de transição de regimes autoritários para a democracia. Desses, 46 processos ocorreram após um cisma na estrutura de poder, incluindo o da saída da ditadura militar no Brasil.

Outras 15 transições foram detonadas por uma intervenção armada estrangeira. Desses países, 14 viviam uma guerra civil. Apenas o regime de Manuel Noriega, no Panamá, foi deposto pelos EUA mesmo sem um conflito interno, aponta o cientista político.

Para provocar fratura no chavismo, ele defende que a oposição ofereça baixar o custo de abandonar o oficialismo e tenha interlocutores confiáveis para o cumprimento de acordos.

“Até onde chega o meu conhecimento, esses elementos não foram abordados exaustivamente. A operação não está pronta.”

O governo brasileiro e os de outros 13 países anunciaram não reconhecer a eleição venezuelana e disseram que irão convocar seus embaixadores em Caracas para consultas.

Os representantes diplomáticos da Venezuela em cada um dos territórios também serão convocados para receberem um protesto oficial, diz a nota das 14 nações que formam o Grupo de Lima (entre as quais figuram Argentina, Canadá, Chile e Colômbia).

“[Os países] Reiteram sua preocupação com o aprofundamento da crise política, econômica, social e humanitária que deteriorou a vida na Venezuela, o que se reflete na migração em massa de venezuelanos que chegam a nossos países em condições difíceis, na perda de instituições democráticas, do Estado de Direito e na falta de garantias e liberdades políticas dos cidadãos”, diz a nota.

O grupo anunciou medidas para pressionar Caracas a respeitar as decisões da Assembleia Nacional, como a intensificação da fiscalização de crimes financeiros de empresas ou indivíduos venezuelanos.

Os 14 países pediram ainda que instituições financeiras regionais e internacionais se neguem a emprestar dinheiro ao regime, exceto nos casos em que a verba seja utilizada para ajuda humanitária.