A aplicação da taxa do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic) para a correção de Dívidas Civis beneficiará grandes empresas e dificultará o pagamento de obrigações determinadas judicialmente aos cidadãos que ganharem o direito de recebê-las. A aplicação da Selic promoverá uma atmosfera de insegurança e permitirá que às corporações empurrem o cumprimento das decisões pelo maior tempo possível. Essa é a opinião da professora de Direito da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília, Gracemerce Camboim.

“Quando chegar o momento da execução da dívida, qual taxa será aplicada? Se um ano for um percentual, no ano seguinte outro, como fica? Quem terá acesso a elaboração do cálculo correto? Tudo se torna subjetivo e as relações cíveis dependem de uma segurança. Isso poderá ser um alvará do judiciário para que Bancos, por exemplo, possam postergar o pagamento de uma dívida cível por um longo período, porque ficaremos na discussão das taxas e correção de valores. As ações poderão durar muito mais tempo, sem um resultado efetivo”, criticou a docente, que também é mestre em Comércio Exterior e Relações Internacionais.  

A questão deve ser uma das principais discussões de 2022 do judiciário nacional. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), a quarta turma ainda decidirá sobre a aplicação ou não da Selic para atualização das chamadas Dívidas Civis, cobradas em casos de danos contratuais ou extracontratuais.  

    Tudo começou quando, em São Paulo, uma empresa de ônibus pediu que a Selic fosse aplicada na indenização por danos morais devidos a uma passageira. Porém, o Tribunal de Justiça do Estado determinou que devem incidir, no caso, juros moratórios de 1% ao mês, a partir da citação e correção monetária desde o arbitramento, conforme o índice da tabela oficial adotada pela corte paulista — que levou em consideração o parágrafo 1º do artigo 161 do Código Tributário Nacional (Lei 5.172/1966).

    O texto do artigo diz que “o crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária”, e o primeiro parágrafo complementa: “se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês”.

    “Não podemos deixar a política monetária definir algo que é de direito do cidadão”, acrescentou Gracemerce Camboim. Vale destacar que a Corte Especial já possui uma jurisprudência consolidada a respeito da questão. Em 2010 o STJ julgou este mesmo tema em caráter repetitivo. À época, a Selic estava em 13,75%, muito próximo do que é hoje, 10,75%. Porém, em outubro de 2021, por exemplo, o percentual estava em 6,25%, permitindo um ganho real quase nulo.

    Vale ressaltar que já há o enunciado nº 20 do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal:

 “Art. 406: A taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 é a do art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, um por cento ao mês. A utilização da taxa Selic como índice de apuração dos juros legais não é juridicamente segura, porque impede o prévio conhecimento dos juros; não é operacional, porque seu uso será inviável sempre que se calcularem somente juros ou somente correção monetária; é incompatível com a regra do art. 591 do novo Código Civil, que permite apenas a capitalização anual dos juros, e pode ser incompatível com o art. 192, § 3º, da Constituição Federal, se resultarem juros reais superiores a doze por cento ao ano”. 



DIREITO E POLITICA 

Uma questão de justiça econômica

* Carlos Augusto Vieira da Costa

    Com a consolidação da polarização entre Lula e Bolsonaro, a tendência é que a pauta ideológica comece a ditar o debate político, especialmente porque é onde as pessoas, em geral, se sentem mais legitimadas a opinar. E dentre essas, a política das cotas raciais é uma das mais palpitantes. E de minha parte, para começar sem enganos, vou adiantando que sou favorável.

    Contudo, ser favorável não significa reconhecer que a imposição de cotas raciais seja a solução para as desigualdades, ou, o que é ainda mais imediato, não cause um efeito rebote, que é justamente a exacerbação do racismo estrutural.

    E faço essa afirmação não com base em teorias comportamentais, mas sim pela experiência de quem, por muitas vezes, presenciou de cidadãos e cidadãs brancas a verbalização de um sentimento de injustiça, especialmente quando o assunto é concurso vestibular para as universidades públicas, notadamente naquele que é o objeto de desejo de 9 em cada dez postulantes de classe média: o curso de medicina.

    E a justificativa é sempre a mesma: meu filho (a) talvez não consiga passar porque um negro ou negra irá tomar o seu lugar, mesmo não estando assim tão bem preparado. Ou seja, é o velho argumento da “meritocracia”, apimentado muitas vezes pela dúvida sobre as qualidades de um futuro médico cotista.

    Sobre isso, primeiramente é necessário uma melhor apreciação desse conceito de meritocracia, pois para haver mérito, não importa onde, é fundamental que a disputa tenha sido justa, ou seja, travada entre postulantes com condições minimamente parecidas de treinamento. Assim, falar de meritocracia na realidade educacional brasileira beira o cinismo.

    E por segundo, se existe hoje no Brasil um lugar onde o mérito só entra como penetra é nos cursos de medicina particulares, que respondem pela maioria esmagadora das vagas disponíveis, pois nesses nem mesmo a classe média consegue fazer frente aos custos, relegando a concorrência para uma pequeníssima parcela da população (talvez menos de 5%) que consegue fazer frente ao custo das mensalidades estratosféricas. E são essas faculdades que estão formando os nossos médicos do presente e do futuro.

    Por tudo isso, o sistema de cotas pode até não ser uma solução para o problema social, pois é uma gota no oceano, mas com certeza é no mínimo uma medida de justiça econômica, pois num país onde 65% da carga tributária é indireta, não há mal nenhum nesse dinheiro voltar em parte para quem paga essa conta, que é o grande contingente de pessoas que vende o almoço para comprar o jantar, mas sempre deixando a  fatia do governo na boca do caixa.

*O autor é Procurador do Município de Curitiba 



DESTAQUE

Saiba mais sobre os direitos e o papel das polícias na sociedade

Os policiais formam uma das principais categorias profissionais no Brasil. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o país somava 406 mil policiais militares e 93 mil policiais civis em 2021. Na última eleição do Congresso, a categoria também viu a quantidade de seus representantes crescer, demonstrando a força da classe. E esses agentes estão expostos a uma série de riscos para conseguir zelar pela segurança pública, pelos bens e a integridade física das pessoas. Mas e como fica a aposentadoria desses profissionais?

Em primeiro lugar, é importante estar atento à diferença de escopo das funções e aposentadorias entre os policiais civis e militares (PMs), alerta a advogada previdenciária, fundadora do escritório Brisola Advocacia, Isabela Brisola. “Enquanto aos PMs estão destinadas tarefas de policiamento ostensivo e preservar a ordem pública, aos policiais civis cabem as investigações de crimes e o cumprimento de ordens judiciais no âmbito local, conforme o artigo 144 da Constituição Federal”, explica.

Por essa diferença de atuação, há sutilezas entre a aposentadoria de policiais militares e civis. O caso mais específico é dos PMs que atuam como uma força auxiliar subordinada ao governo de cada estado e, em tempos de guerra, são reservas das Forças Armadas.

Confira como funciona cada aposentadoria:

Civil passa a ter idade mínima para aposentadoria após Reforma da Previdência

Antes da Reforma da Previdência, para um policial civil se aposentar não era exigida idade mínima. Para os homens, eram necessários 30 anos de contribuição, dos quais 20 em efetiva atividade de policial. Já as mulheres precisavam ter 25 anos de tempo de contribuição, dos quais 15 em efetiva atividade no cargo de policial.

Com a reforma, a partir de 2019, passou a vigorar a exigência tanto para homem, quanto para mulher, da idade mínima de 55 anos e 30 anos de contribuição, com 25 anos no cargo.

Policiais Militares vão para a reserva remunerada

No caso de PMs, eles não se aposentam efetivamente quando atingem os requisitos mínimos, entrando na chamada reserva remunerada. Antes da Reforma da Previdência dos Militares, bastava ter alcançado 30 anos de tempo de serviço para o PM ir para a reserva.

Contudo, com a reforma, agora o policial precisa cumprir 35 anos de tempo de serviço para entrar na reserva remunerada. Desses 35 anos, o militar precisa de, ao menos:

•          30 anos de exercício de atividade de natureza militar nas Forças Armadas, para os oficiais formados na Escola Naval, na Academia Militar das Agulhas Negras, na Academia da Força Aérea, no Instituto Militar de Engenharia, no Instituto Tecnológico de Aeronáutica e em escola ou centro de formação de oficiais oriundos de carreira de praça e para as praças.

•          25 anos de exercício de atividade de natureza militar nas Forças Armadas, para os oficiais não enquadrados na hipótese anterior. Outra diferença é que, para o policial militar, diferente do que ocorre com o policial civil, não existe idade mínima para entrar na reserva remunerada. 



PAINEL JURIDICO


Estudantes de direito

O escritório curitibano Poletto & Possamai abriu um programa de trainee com acompanhamento pessoal, desenvolvimento técnico-jurídico, bolsa-auxílio de R$2 mil no primeiro ano e de R$ 2,5 mil no segundo entre outros benefícios. Com duração de 24 meses, o programa começa em agosto, focado nas áreas Empresarial e Cível e aberto a estudantes de Direito que se graduarão no segundo semestre de 2023 ou no primeiro semestre de 2024. As inscrições estão abertas até 15 de maio: poletto.adv.br/trainee


Jovens eleitores

Termina no dia 4 de maio prazo para o eleitor tirar novo título a tempo para votar nas eleições de outubro. Com baixa adesão dos jovens de 16 a 18 anos, o TSE está realizando diversas ações para estimular a adesão desse público. Na avaliação da presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral, Ana Carolina Clève, o baixo índice se explica parcialmente pelos dois anos de isolamento social imposto pela pandemia, mas também pode indicar possível desinteresse pela política e pelos destinos do país, o que é bastante preocupante.

 
Curso via internet

A Associação dos Advogados de São Paulo – AASP realizará no dia 28 de abril, às 19h, o curso “Atualidades sobre a multa periódica (astreinte) nas obrigações de fazer”. O curso será realizado ‘ao vivo’ via internet. Informações: https://cursosonline.aasp.org.br/curso/atualidades-sobre-a-multa-periodica-astreinte-nas-obrigacoes-de-fazer-internet-46365?_ga=2.223763167.597278565.1649186639-649677120.1649186639 



DIREITO SUMULAR

Súmula n. 43 do TSEAs alterações fáticas ou jurídicas supervenientes ao registro que beneficiem o candidato, nos termos da parte final do art. 11, § 10, da Lei n° 9.504/97, também devem ser admitidas para as condições de elegibilidade. 



LIVRO DA SEMANA

Não há consenso sobre as causas da judicialização da saúde no Brasil, mas estudos recentes apontam que o Supremo Tribunal Federal (STF) pode estar criando obstáculos na solução. A pergunta “como as experiências da Colômbia e da África do Sul podem contribuir com o Brasil no caso das demandas de medicamentos?” é o ponto central trabalhado nesta obra. A forma pela qual as Cortes decidiram na Colômbia e na África do Sul causou, em certa medida, repercussões nos cenários de saúde dos países. Na África do Sul, a postura da Corte, ao limitar a justiciabilidade do direito à saúde, promoveu mudanças estruturais mais significativas. A experiência da América Latina, por outro lado, evidencia que a Corte Colombiana e o STF estão mais focados na solução de demandas individuais.