congresso reforma tributaria
Polêmica (Foto Marcello Casal Jr/ABr)

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/19 foi aprovada neste mês de novembro pelo Senado e voltará para a Câmara dos Deputados para uma nova votação. A expectativa é de que as duas casas concluam a tramitação ainda em 2023. Contudo, o novo modelo de tributação pode impactar de forma negativa as empresas enquadradas no Simples Nacional, especialmente aquelas do setor de prestação de serviços.

Hoje, são aplicados para o setor de serviços impostos como PIS/Cofins (impostos federais), mediante a aplicação do regime cumulativo e de alíquota aglutinada de 3,65%. Há também a cobrança cumulativa do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) — de origem estadual — com alíquotas entre 2% e 5%.

O texto da reforma tributária propõe a substituição do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do PIS/Cofins pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Por outro lado, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) — da esfera municipal — e o ISS serão reunidos no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

A CBS e o IBS serão elementos de um Imposto sobre o Valor Adicional (IVA) Dual, que já é adotado em mais de 150 países. Esse documento fiscal caracteriza o percentual de imposto pago por aquela mercadoria, que é algo mais tangível para o consumidor compreender os tributos que estão indexados à compra. Porém, não há como implementar um imposto único no Brasil até por conta da distribuição da receita. Por essa razão, o país adotará o IVA dual, cuja implementação será gradativa.

A principal característica do IVA Dual é a incidência ampla sobre bens, serviços e direitos, com legislação única e aplicação ampla da não cumulatividade, ou seja, direito de crédito sobre todas as operações anteriores nas quais incidiu o tributo.

A medida é importante sobretudo em setores mais complexos da indústria, que contemplam várias etapas até a finalização do produto. Com o novo modelo de tributação, a taxação será somente sobre o que foi agregado em cada etapa da produção de um bem ou serviço, excluindo os valores que já foram pagos em etapas anteriores.

“Trocando em miúdos, com o IVA Dual, não ocorre a incidência em cascata do imposto, pois ele permite que o valor pago em uma etapa da produção seja descontado quando houver a cobrança em fases posteriores”, explica João Murilo Alves Frazon, sócio diretor do Núcleo Tributário do escritório Melo Advogados.

Dessa forma, em cada etapa, o cálculo do imposto acaba abrangendo o que as etapas anteriores já pagaram de imposto. João Frazon ainda exemplifica, na prática. como será a nova tributação. “O imposto pago por um fornecedor de couro será abatido do imposto pago pelo fabricante de bolsas que adquiriu essa matéria-prima para produzir seu produto. Hoje, cada elo da cadeia produtiva paga o imposto cheio”, afirma.

Contudo, o texto da reforma tributária ainda não define uma alíquota para o IVA Dual sobre os serviços. “A previsão atual do Governo Federal para a alíquota total desse tributo parte do percentual de22%, chegando à, possivelmente, 27,5% no cenário mais pessimista apresentado pela equipe econômica”, aponta o sócio diretor do escritório Melo Advogados.

Ainda conforme Frazon, tendo em vista que, atualmente, o ISS varia entre 2% a 5%, dependendo do Município, por força de previsão constitucional, a sua substituição pelo IBS resultará, provavelmente, em um expressivo aumento da carga tributária para o setor de serviços. “Isso porque, tomando-se por base os dados fornecidos pelo Ministério da Fazenda, em 2021, considerando apenas os tributos diretamente incidentes sobre o consumo, as alíquotas efetivas praticadas pelos Entes Federados correspondem a 22,25% de ICMS, 9,20% de Cofins, 2,54% de PIS/Pasep, 2,4% de IPI e 3,03% de ISS. Logo, considerando que a maior parte se refere à soma ICMS+ISS, é provável que o IBS também representará a porção majoritária da nova forma de tributação”, reflete.

Na opinião de João Frazon, é importante destacar que o eventual prejuízo ao setor de serviços decorre de uma espécie de transferência da carga tributária atual do setor da indústria e comércio para o setor de serviços, eis que, no plano macro da reforma, há a ideia de manutenção da atual carga tributária.

Insegurança jurídica

A consequência dos impasses no texto da PEC é a possibilidade da judicialização, à medida em que a reforma aumenta a insegurança jurídica sobre procedimentos tributários. Na visão de João Frazon, os efeitos negativos surtirão principalmente sobre o principal setor da economia brasileira: de Serviços. Tais empresas terão de suportar uma carga de tributos maior, cuja consequência refletirá no próprio desempenho da economia. “É provável que haja uma redução de empregos neste setor. Além disso, considerando o peso das empresas do Simples para o Produto Interno Bruto (PIB), é de esperar que esses reflexos sejam vistos nos próximos anos”, destaca.

Ele explica que o temor do setor de serviços em relação ao aumento da carga tributária do regime do Simples Nacional se justifica, em verdade, quando comparado à modificação que o regime do Lucro Presumido sofrerá. Isso porque, o texto da reforma tributária estipula que os contribuintes optantes pelo Simples Nacional não poderão usufruir de créditos, mas permitirá que as pessoas jurídicas do Lucro Presumido tenham acesso a créditos do IBS e da CBS. Portanto, há um descompasso entre os benefícios dos dois regimes e, na balança, as empresas que fazem parte do Simples Nacional saem perdendo.

“Isso é devido ao fato de que no regime tributário atual, o ISS e, geralmente, o PIS e a Cofins são cumulativos para as empresas do Lucro Presumido. Essa situação terá impacto direto na competitividade para os contribuintes do Simples Nacional que se encontram no final da cadeia e vendem para pessoas físicas”, avalia João Frazon.

Ele acredita que existe o risco de que as empresas do Simples Nacional, principalmente do setor de serviços, sejam “obrigadas” a mudar de regime, ou adotar o sistema híbrido – IBS e CBS fora do Simples. “Os tomadores de serviços ou adquirentes de mercadorias, sem a mais mínima dúvida, optarão por realizar operações com quem possa lhes oferecer maiores créditos. E, por essa razão, as empresas do Simples Nacional, que estão isentas de créditos no texto da reforma, perderão competitividade”, analisa.