Nattasha Nobre: apesar do preconceito, elas avançam (Valquir Aureliano)

Na busca por uma colocação no mercado de trabalho e uma fonte de renda, mulheres paranaenses começam a desbravar mercados histórica e predominantemente masculinos. Um exemplo é o setor de reformas e de construções, que tem ganhado um toque cada vez mais feminino, com elas literalmente botando a mão na massa. Provar que o lugar da mulher é onde ela quiser, contudo, não é fácil. O preconceito, por exemplo, é grande – e não só por parte de homens, mas também por parte delas.

Moradora de Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba (RMC), Nattasha Nobre conta que começou a se preparar para trabalhar na área de construção civil há mais de uma década, quando começou o curso de técnica em edificações na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Quando ela ingressou na universidade, outras duas mulheres também faziam o curso, mas só ela seguiu na área.

“Havia muito preconceito de que mulher não podia trabalhar diretamente no canteiro de obras”, conta ela, relatando ainda que conseguiu sua primeira colocação profissional em 2013, como fiscal de obra. “Mas nem todos me respeitavam como profissional, devido ao fato de eu ser mulher”, comenta.

Em 2016, no entanto, a vida dela acabou virando de cabeça para baixo. Por conta da crise econômica ela acabou perdendo o emprego e cinco dias depois acabou se separando, após descobrir uma traição de seu cônjuge. Com um filho pequeno para sustentar, ela não perdeu tempo e mandou diversos currículos, tentando se aproveitar de sua experiência em projetos de climatização e algumas experiências em canteiros de obras. “Mas devido à crise de empregos na época não consegui recolocação profissional”.

A ‘virada’ como ‘marida de aluguel’

Sem conseguir uma colocação formal no mercado de trabalho, Nattasha teve a ideia de fazer uma publicação num grupo conhecido de mulheres empreendedoras em Curitiba, oferecendo seus serviços como “Marida de Aluguel”, aproveitando-se do fato de saber realizar serviços como troca de chuveiro, tomada e torneira, por exemplo. Com o tempo, foi se especializando com a realização de cursos de qualificação profissional (pedreiro, azulejista, instalador hidráulico, eletricista residencial) e como pintora.

“O início foi bem difícil, principalmente a parte de aceitação. Tanto homens quanto mulheres muitas vezes me questionavam se era eu mesma que executava as obras ou se eu mandava algum homem fazer no meu lugar”, relata Nati Nobre, contando ainda que um dia um engenheiro que trabalhava para uma escola de Curitiba entrou em contato com ela solicitando a pintura de sala de aulas, mas exigindo que ela mandasse homens para a execução do trabalho.

“Segundo ele, não era adequado para uma mulher estar em uma obra, pois os homens não iriam respeitar. Foi quando eu coloquei uma coisa na minha cabeça: lugar de mulher é onde ela quiser”, afirma ela, contando que gosta de estar no dia a dia da obra, seja na pintura ou nos pequenos reparos. “Ainda hoje, algumas pessoas questionam se eu trabalho mesmo na obra, se tenho ou não capacidade para as execuções das obras, mas grande parte acha bacana a ideia de uma mulher trabalhando na área e sempre frisam as questões de limpeza, organização, execução com detalhes, o olhar feminino e, infelizmente, a questão de segurança, pois muitas clientes são mulheres, sozinhas, viúvas, com filhos pequenos, ou até casadas, que muitas vezes o marido não acha adequado a presença de homens desconhecidos dentro de casa”, conta.

Da costura para o canteiro de obras

Geny do Carmo, moradora de Santa Tereza do Oeste, no oeste do Paraná, é outra mulher que está ajudando a quebrar barreiras no setor da construção civil. Ela trabalhou por anos como costureira, mas resolveu mudar de área devido à insatisfação com o rendimento médio de um salário mínimo. Em 2009, então, ela se candidatou para uma vaga de servente de pedreira e foi selecionada. “Fazia a minha função, mas sempre atenta ao trabalho dos pedreiros”, conta ela, que hoje é conhecida nas redes sociais como Pedreira Geny e também teve de lidar, entre outros desafios, com o preconceito de uma parcela de colegas do setor. “Ouvi de outros profissionais que o meu trabalho era muito pesado para uma mulher. “Quando comecei em 2009 era raro ver uma mulher na obra. Hoje, ainda bem, já é mais comum”, celebra.

Hoje, a pedreira Geny conta que seu ganho médio mensal é de três a cinco vezes maior do que na época de costureira. E que, para ajudar outras mulheres a superarem os medos e preconceitos, criou um perfil na internet onde publica vídeos ensinando como fazer determinadas atividades. “Já recebi centenas de relatos de mulheres que hoje estão trabalhando em obras e que se sentiram motivadas a partir dos meus vídeos. Muitas delas só sentiram segurança para buscar uma vaga depois de assistir um deles. Hoje eu tenho mais de 500 mil seguidores nas redes sociais e mais de 70% são mulheres.”

Desigualdades históricas

Historicamente, mulheres sempre estiveram em situação mais crítica no mercado de trabalho quando comparadas com os homens. Segundo dados da Fundação Getúlio Vargas, a diferença dos níveis de desemprego entre os gêneros atingiu 16% no último ano. Além disso, 49% das mulheres estavam desempregadas até o final de 2021, ainda que 45% delas sejam responsáveis pela principal renda familiar.

Presença feminina se faz sentir em lojas de materiais de construção

O crescimento no número de mulheres em atividades relacionadas a pequenas reformas e construções também começa a ser percebido entre as grandes empresas do setor. Na Super Pro Atacado, atacadista do setor de equipamentos e ferramentas, é perceptível o crescimento na base de clientes do e-commerce com um incremento de mulheres nas compras realizadas, além do reflexo no movimento das lojas físicas. “Percebemos, principalmente depois da pandemia, um aumento crescente no número de mulheres que buscam as nossas lojas físicas ou visitam o nosso e-commerce para comprar equipamentos e ferramentas profissionais”, comenta a especialista em varejo e produto da Super Pro Atacado, Daniela Kricowski.

A Super Pro, inclusive realizou um levantamento sobre o crescimento na base de clientes mulheres neste primeiro semestre de 2022. A atacadista identificou um aumento de 4% no número de mulheres cadastradas no e-commerce e de 3% de mulheres com pedidos realizados nas lojas físicas.

“Esse crescimento vem sendo percebido em praticamente todas as nossas lojas pelo Brasil. Acreditamos que a tendência seja que o crescimento se mantenha pelos próximos meses com o aquecimento do setor de pequenas reformas e construções. As pessoas mudaram o seu perfil de trabalho e o remoto exige algumas adaptações. O reflexo dessa nova realidade pode ser percebido no número de profissionais na área”, explica a especialista em varejo e produtos.

Daniela explica que o perfil de compra das mulheres têm mudado nos últimos semestres. “Até pouco tempo a busca das clientes mulheres por ferramentas e equipamentos eram, na maioria das vezes, para presentear alguém ou para a execução de algum trabalho por terceiros na residência ou endereço comercial. Agora com o crescimento no número de mulheres que trabalham com pequenas reformas e construções, o perfil já começa a mudar, assim como as escolhas e conhecimento sobre as marcas e custo-benefício.”