Sergio Moro: alvo. (Franklin Freitas)

Em 2019, Sergio Moro (União Brasil) deixou uma carreira bem sucedida na magistratura depois de comandar os processos mais rumorosos da operação Lava Jato, que investigou um esquema bilionário de corrupção na Petrobras e mexeu com os rumos da política no País. Três anos depois, ele é candidato ao Senado pelo Paraná prometendo levar ao Congresso as mesmas bandeiras de combate à corrupção, fim do foro privilegiado e da execução de pena após condenação em segunda instância que o notabilizou quando ainda era juiz.
Para Moro, que viu frustrada a sua tentativa de disputar a Presidência da República, a chamada “terceira via” não decolou porque o mundo político está “confortável” com a polarização entre o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E afirma que, nesse cenário, pretende ser uma voz independente no Senado, capaz de levar o Paraná a ser novamente um modelo para o País, como foi durante os quatro anos de Lava Jato. Em entrevista ao Bem Paraná, Moro critica ainda a timidez dos políticos paranaenses no plano nacional e explica como pretende mudar isso.
Bem Paraná – O senhor tinha uma carreira bem sucedida na magistratura e chegou a dizer que não entraria na política. O que o fez mudar de ideia?
Sergio Moro –
Eu era juiz da Lava Jato, com todos aqueles esquemas de corrupção sendo revelados. Qual era a minha expectativa como juiz, mas também como cidadão? Que o sistema política, diante da gravidade dos fatos revelados, fizesse as reformas necessárias para que novos escândalos de corrupção, naquela magnitude não ocorressem. Mas o que a gente viu na prática foi o contrário. O sistema político reagiu para que não existisse mais investigações. Para dificultar o trabalho de juízes e promotores. Então isso acabou me levando para a política. Para reformar a política para que a gente consiga superar esse problema do Brasil que é a corrupção desenfreada, acompanha de impunidade.
BP – Essa reação veio do PT, mas propriamente atingido pelas investigações, mas também do governo Bolsonaro?
Moro –
Eu diria que a reação veio por parte dos três poderes. A gente não pode generalizar, mas há uma parcela de culpa do Congresso, que aprovou leis que dificultaram. Por exemplo, a aprovação da lei de improbidade. Havia até alguns excessos na aplicação da lei de improbidade, mas as mudanças foram excessivas. Praticamente sumiram com a possibilidade de você ter ações de improbidade. Você teve reação de parte do Judiciário, de parte do STF. Essas anulações de condenações da Lava Jato é algo que entristeceu todos os brasileiros. Não havia uma causa para essas anulações. Faz parte de uma reação política. E parte também do Poder Executivo, como interferência na Polícia Federal, também atrapalharam.
BP – O senhor se decepcionou com a atitude do presidente e de parte das forças que o apoiaram?
Moro
– Em 2018, quando eu deixei a magistratura e entrei no governo, sabia que haveria uma reação política. Eu havia conhecido na ocasião os magistrados que trabalharam na operação Mãos Limpas italiana. E todos eles me relatavam o que havia acontecido na Itália: depois de todo o sucesso das Mãos Limpas, uma reação do parlamento. Então eu antevia, já tínhamos algumas nuvens negras no horizonte, que haveria uma reação. Em parte, a minha saída da magistratura e a ida para o Ministério da Justiça tinha por objetivo impedir essa reação. Claro que a gente tinha outros propósitos: a redução da criminalidade violenta, a luta contra o crime organizado. Nisso nós fomos bem sucedidos, conseguimos bons indicadores através de políticas públicas relevantes. Mas a consolidação do combate a corrupção e impedir que essa reação acontecesse, eu diria que a minha presença no governo retardou. Até que chegou um momento em que eu fui sobrepujado e deixei o governo.

BANDEIRAS
‘Combate à corrupção é essencial’

Bem Paraná – Como o senhor espera fazer esse contraponto a esse sistema político? Mesmo que haja uma renovação de 50% no Congresso, como aconteceu em 2018, as práticas se repetem.
Sergio Moro –
Eu não desisto. E apesar dos revezes que nós tivemos no combate à corrupção é necessário levantar a bandeira novamente. Levá-las a Brasília. E como senador eu tenho algo que não tinha como ministro, independência. Eu quero ser uma voz forte e independente representando a população paranaense e defendemos esses valores, da honestidade, integridade, da política voltada ao bem comum, que é o mote da política clássica. Claro que a gente precisa também levar essa credibilidade que foi construída na Lava Jato, na carreira de juiz, como ministro da Justiça para outros temas, como saúde, educação, geração de emprego e renda, para ser debatido no Congresso. Mas você não consegue fazer nada se você não tiver como pressuposto a integridade na vida pública. Para isso é essencial ter combate à corrupção. É o dinheiro que é desviado da educação, da saúde, da obra pública, que pode fazer diferença na vida das pessoas.
BP – O senhor se filiou ao Podemos como pré-candidato à Presidência da República. Analisando o que aconteceu desde então, porque isso não deu certo?
Moro –
Eu ingressei no Podemos para disputar a presidência. Havia um desejo de ser uma alternativa para romper a polarização. Ela divide o País, e casa dividida tem dificuldades para resolver os problemas. No entanto, chegou um momento dessa jornada em que o Podemos estava sozinho. Não conseguia fazer alianças. Como também não conseguiram os demais partidos dessa chamada terceira via. E dentro do próprio Podemos chegou um momento que faltou apoio partidário para prosseguir na candidatura presidencial e eu tive que fazer uma readequação da rota. E por isso estou me colocando como pré-candidato ao Senado. Mas o importante é que os princípios e valores permanecem os mesmos. O juiz da Lava Jato, o que ele defendia, tudo isso permanece o mesmo. As bandeiras que eu desfraldava como ministro da Justiça são as mesmas. A gente não pode deixar isso caír. Não é uma questão pessoal. São temas importantes para os brasileiros, para a população. A gente não vai desistir porque teve problemas de percurso.
BP – E porque o senhor acha que a terceira via não decolou?
Moro –
O mundo político está confortável com a polarização. Para boa parte do mundo político, não faz diferença a vitória do Lula ou do Bolsonaro. Alguns aliados do atual presidente já estiveram com Lula no passado. Eu tenho certeza de que se Lula ganhar – eu espero que não aconteça – eles mudam de lado de novo. Por isso é fundamental ter no Senado vozes que sejam independentes. As pessoas me perguntam: ‘você é candidato de quem?’. ‘Fulano X é o candidato do fulano Y. Você é de quem?’.Eu sou candidato da população. Você precisa ter senadores independentes. No ano que vem, surgem duas vagas de ministro no STF. O presidente indica e o Senado aprova ou rejeita. Sabe quantas vezes o Senado rejeitou um nome em toda a história republicana? Uma vez. Floriano Peixoto, segundo presidente do Brasil, vivia às turras com o Supremo, e indicou um médico, Barata Ribeiro, e aí foi demais. O Senado rejeitou o nome. Desde então, o Senado tem sido um carimbador das indicações presidenciais. A gente precisa ter um senador lá que tenha a coragem de dizer não para o presidente da República, até a gente não sabe quem vai ser o ano que vem. Mas também dizer não ao eventual indicado. Porque a pessoa pode ser indicada e ter o nome aprovado mesmo com voto contrário. Agora se você está no Senado com receio de exercer sua independência, você está no lugar errado.

BARGANHA
Orçamento secreto serve para cooptação

Bem Paraná – O União Brasil – seu partido – apoia a reeleição do governador Ratinho Jr (PSD), que declarou apoio à candidatura do deputado federal Paulo Martins (PL) ao Senado. Isso interfere, de alguma forma, na sua campanha?
Sergio Moro –
Não. O União Brasil apoia a reeleição do Ratinho Jr, nós fazemos parte da coligação. Mas foi definido que cada partido da coligação poderia lançar seu candidato ao Senado. O que foi feito. Nós respeitamos a eventual preferência do governador. Mas o União Brasil tem sua independência, tem sua robustez, as suas práticas. Nós estamos apoiando, mas ao mesmo tempo temos algumas propostas independentes.
BP – O senhor pretende fazer campanha para o governador?
Moro –
O União Brasil sim. Faz parte da coligação e nós vamos sim pedir voto para o governador. Sem prejuizo de nós, tendo ele sido reeleito, possamos cobrar políticas públicas que entendemos como necessárias em favor da população paranaense.
BP – Qual a sua opinião sobre o chamado “orçamento secreto”?
Moro –
É a pior possível. O orçamento secreto acaba violando algo fundamental que é a transparência. Sem transparência há uma grande possibilidade de desvio de recursos. E do outro lado, esse orçamento tem servido como um instrumento de cooptação de parlamentares. A velha história da barganha. Claro que tem emprego dessas verbas que é positivo, dinheiro destinado a projetos públicos relevantes. Mas sem transparência e nesse ambiente de troca as consequências são mais negativas do que positivas. Além do que, os valores são muito grandes. A se ver, por exemplo, no começo do ano, o espaço orçamentário para essas emendas estava em torno de R$ 18 bilhões. Isso é um orçamento superior ao de vários ministérios do Poder Executivo. Isso acaba comprometendo a capacidade do governo federal em investir em projetos maiores, com critérios mais técnicos. Você pulveriza a capacidade de investimento do governo federal.
BP – E como reverter isso, já que nada indica que os futuros parlamentares vão querer abrir mão desses recursos?
Moro –
Temos que realizar uma ampla discussão. O orçamento, na verdade, a gente está tratando da aplicação de recursos da população. O que você faz com o dinheiro dos impostos cobrados da sociedade. É uma questão fundamental que tem que estar aberta à possibilidade de discussão. Eu sei que quando se olha os desafios à frente, eles parecem muito grandes. Mas se você não começar a caminhar na direção certa, você nunca vai chegar ao seu destino. E aí tem um ponto que eu posso colocar a meu favor que eu sou uma voz reconhecida nacionalmente. Então o que eu falo tem relevância. E a minha voz, tenho certeza que será ouvida.

CONGRESSO
Paraná precisa de representantes fortes

Bem Paraná – No lançamento da sua candidatura o senhor disse que o Paraná precisa de vozes fortes no Senado, que não se omitam e não sumam do cenário político. O senhor acha que a atual bancada paranaense no Senado não está fazendo isso?
Sergio Moro –
Não é uma crítica dirigida aos senadores atuais. O Paraná é a quarta ou quinta economia do País. Nós temos um PIB muito próximo do Rio Grande do Sul. A depender do ano estamos à frente, em outros o RS está à frente de nós. O Paraná não tem um peso político proporcional à pujança da sua economia. A gente vê estados muito menores em população e renda com peso político nacional maior do que o do Paraná. Está na hora do Paraná assumir uma posição mais compatível com o seu peso econômico. Durante a operação Lava Jato, aqueles quatro anos, o País olhava o Paraná para saber o que estava acontecendo. A operação Lava Jato é uma página escrita na história do Brasila partir do Paraná. A gente tem que fazer com que o Paraná seja também um centro de atenção, seja se destacando no desenvolvimento econômico, seja na política. No bom sentido. Com representantes lá que tenham força. Não quero ser mal interpretado. A minha carreira profissional, a história que a gente escreveu, me dá a credibilidade necessária para dizer que posso ser essa voz.
BP – O governo Bolsonaro ampliou significativamente o acesso às armas. O número de pessoas com licenças para armas de fogo aumento 473% em quatro anos, de 117,4 mil registros ativos para 673,8 mil em junho deste ano. Qual a sua opinião sobre essa política?
Sergio Moro –
Quando eu fui ministro da Justiça nós adotamos políticas de segurança pública bem específicas e que levaram à redução da criminalidade. Por exemplo, o isolamento das lideranças do crime organizado. Pegamos os líderes do PCC que estavam em presídios estaduais em São Paulo e colocamos em presídios federais. Nós revitalizamos o banco nacional de perfis genéticos, a prova do DNA, que acabou proporcionando a elucidação daquele grave assassinato em Curitiba, daquela menina de 9 anos, Rachel Genofre, onze anos depois do crime. O programa vigia nas fronteiras. A gente combateu a criminalidade com inteligência e planejamento. E os crimes caíram. Foram 22% a menos de assassinatos em 2019 do que em 2018. Nunca tinha acontecido isso. Agora a questão da arma não tem relação com a segurança pública. Ter mais armas, mais flexibilidade na posse ou porte de armas não torna o País mais seguro. Eu, particularmente, acho que a gente tem que distinguir os dois casos: a posse e o porte. A posse de arma em casa, muita gente se sente mais seguro tendo uma arma e muitos vêem isso como direito. Acho que esse entendimento tem que ser respeitado. Quando eu estava no governo, fui favorável à extensão do porte da arma em toda a propriedade rural. Em relação ao porte, andar com a arma na rua, eu tenho uma visão mais restritiva. Sou contra permitir que as pessoas possam ter armas automáticas e de grosso calibre. O poder de destruição dessas armas que caem em mãos erradas pode ser muito grave. No fundo acho que é uma questão de equilíbrio entre essas duas demandas: aqueles que querem ter acesso mais facilitado às armas, cidadãos para se protegerem. E o equilíbrio entre a necessidade de evitar que essa flexibilização acabe expondo a população ao eventual uso indevido dessas armas. Essencial é diferenciar posse e porte.
BP – A questão da prisão após condenação em segunda instância é uma das prioridades, caso eleito?
Moro –
Certamente. Na parte do combate à corrupção temos o fim do foro privilegiado. Se caso for eleito, não vou ficar defendendo privilégios para a classe política. Acho errado. E a volta da execução após a segunda instância. É um tema que o parlamento já deveria ter votado.
BP – O senhor acha que esse debate já está maduro?
Moro –
Ele sempre esteve. Porque é uma questão muito simples. Se você tem um processo judicial com excesso de recursos, o risco de impunidade é muito grande. A execução em segunda instância é fundamental para aqueles que são julgados e condenados uma punição rápida.

IMPUGNAÇÃO
‘É uma tentativa de vencer no tapetão’

Bem Paraná – A sua candidatura é alvo de pedidos de impugnação em relação ao domicílio eleitoral. Como o senhor vê isso?
Sergio Moro –
Estou bem seguro juridicamente. No fundo são aquelas pessoas que têm medo de nos enfrentar nas urnas. Não causa surpresa que a primeira impugnação veio de um filiado ao PT. O PT me tem como adversário e sabe que se eu chegar ao Senado vou me opor a essas políticas de leniência em relação à corrupção e a criminalidade.
BP – O senhor publicou no último dia 5, um post no twitter criticando “gente da velha política que só sabe disputar eleição passando a perna nos outros”. A quem o senhor se referia?
Moro –
Isso é uma mensagem em que as pessoas podem interpretar de muitas maneiras. A gente quer uma nova postura, pessoas que tenham palavras na política. E que as divergências sejam resolvidas nas urnas, perante a população. De certa maneira essa mesma impugnação formulada por um partido opositor é uma tentativa de vencer no tapetão. E isso é lamentável.
BP – O senhor ainda tem a expectativa de um dia disputar a presidência?
Moro –
O meu pensamento é dirigido agora ao Senado. A fazer um bom mandato. Acho que a pessoa que entra em um cargo pensando em um próximo, começa errado. Claro que é difícil mudar as coisas na política, mas a gente tem que continuar sonhando os sonhos impossíveis. Às vezes nós nos surpreendemos. Na Lava Jato diziam que era impossível combater a corrupção no Brasil. Que o poderoso sempre se dando bem. Nós tivemos condenações importantes e várias prevalecem. Dinheiro foi recuperado, a Petrobras recuperou R$ 6 bilhões. Se a gente falasse antes da Lava Jato que teria uma investigação dessa magnitude no País, com essa efetividade, eu diria que era impossível. Nada é impossível. Pode ser difícil, mas para você chegar a algum lugar tem que começar a caminhar para o lugar certo. Acho que seria inapropriado pensar nisso agora. O objetivo é colocar meu nome para candidato ao Senado para as pessoas e deixar elas escolherem e firmar o compromisso de fazer um bom mandato. O futuro, daí, a Deus pertence.

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