Nellie LaRoy (Margot Robbie): personagem inspirado na atriz Clara Bow (Fotos: Divulgação)

De vez em quando, cineastas usam seus prestígios para bancar filmes sobre o cinema. Tem ‘Cinema Paradiso’ (1988), de Giuseppe Tornatore (venceu o Oscar de melhor filme estrangeiro). Tem ‘A invenção de Hugo Cabret’ (2011), de Martin Scorsese (dez indicações para o Oscar, incluindo melhor filme). Tem ‘Era uma vez em… Hollywood’ (2019), de Quentin Tarantino (10 indicações para o Oscar, inclusive melhor filme). Mais recentemente, teve ‘Os Fabelmans’, de Steven Spielberg (vencedor do último Globo de Ouro). E tem ‘Babilônia’, de Damien Chazelle, que estreia nesta quinta-feira (19) e está bem cotado para concorrer ao Oscar, cujos indicados serão divulgados na próxima semana.

Chazelle, vencedor do Oscar de melhor diretor por ‘La La Land’ (2016), dirige e assina o roteiro de ‘Babilônia’. Nele, opta por retratar um interessante contexto de Hollywood: a transição do cinema mudo para o cinema falado, nos anos 1920. A história gira basicamente em torno de três personagens: Jack Conrad (Brad Pitt), um dos maiores galãs da época; Nellie LaRoy (Margot Robbie), uma estrela em ascensão; e Manuel “Manny” Torres (Diego Calva), um mexicano que mora em Los Angeles e sonha em trabalhar na indústria de cinema. Outros dois personagens relevantes para a trama são o saxofonista Sidney Palmer (Jovan Adepo), que briga com outros colegas de banda de jazz, mas que passa a crescer com o advento do som no cinema. E a jornalista Elinor St. John (Jean Smart), que escreve sobre os filmes (e também sobre as fofocas de bastidores ente as celebridades).

Jack Conrad (Brad Pitt) e Manny Torres (Diego Calva): queda e ascensão (Foto: Divulgação)


Jack, Nellie e Manny são retratos de figuras que realmente existiram. O primeiro deles é inspirado em John Gilbert, um galã de prestígio durante a era do cinema mudo, mas que decaiu (e descambou para a bebedeira) na era dos filmes sonorizados. Nellie teve como inspiração Clara Bow, uma atriz filha de uma mãe esquizofrênica e que conseguiu um lugar ao sol graças ao apelo de sex symbol e à personalidade forte. E Manny é um retrato de René Cardona, imigrante latino-americano que conseguiu crescer em Hollywood, a ponto de virar um executivo de prestígio.

Mas o interessante contexto acaba em segundo plano diante do que se vê na tela. A Hollywood de Chazelle é colorida demais, extravagante demais, barulhenta demais, nua demais, crua demais. Quando se diz nua e crua demais, é literalmente falando. A primeira cena do filme traz acontecimentos que culminam em um elefante defecando. A segunda é uma orgia hollywoodiana, onde drogas e sexo correm soltos, até de forma explícita. E por aí vai…

Diante de desse cenário, os atores fazem o que podem. Brad Pitt entrega um galã canastrão, que pouco atua e muito bebe, mas ainda cheio de trejeitos de seu personagem Aldo Reine, de ‘Bastardos Inglórios’ (2009). Margot Robbie clona a Arlequina (vilã dos filmes da DC) como que numa chavinha de liga-desliga. Diego Calva, por sua vez, aparece como o único personagem sensato numa trama confusa. Ou, ao menos, é o único que não parece repetir um personagem que tenha feito anteriormente. Mas é pouco num filme com mais de três horas de duração e diálogos canhestros que falam sobre a importância dos filmes.

No contexto de cineastas que resolvem falar sobre cinema, Giuseppe Tornatore entrega um filme emocionante e delicado com ‘Cinema Paradiso’. Martin Scorsese fez de ‘Hugo Cabret’ um filme mágico. ‘Era uma vez em… Hollywood’ tem os elementos clássicos dos filmes de Quentin Tarantino. ‘Os Fabelmans’ permite a Steven Spielberg acertar contas com o seu passado. Damien Chazelle, por fim, fez um filme com as suas marcas: colorido, cheio de jazz e que transita entre o enfadonho e o extravagante. Provavelmente até mesmo a jornalista de cinema Elinor St. John, a ranha das crônicas de cinema em ‘Babilônia’, teria dificuldades para fazer uma crônica de ‘Babilônia’.

Outros filmes sobre o cinema

‘Cinema Paradiso’ (1988)
Diretor: Giuseppe Tornatore
Toto é um menino de um vilarejo na Itália que faz amizade com o homem que faz as projeções no único cinema da cidade, o Cinema Paradiso. O filme passeia pela história do cinema ao mostrar pequenos recortes de filmes que às vezes eram até censurados pelo padre local.

‘A Invenção de Hugo Cabret’ (2011)
Diretor: Martin Scorsese
Hugo Cabret é um menino que fica órfão e tem que morar com um tio na estação Gare du Nord, em Paris. Lá, ele conhece o dono de uma pequena loja de brinquedos. O homem é Georges Melier, o precursor dos efeitos especiais no cinema, mas que vive no ostracismo.

‘Era uma vez em… Hollywood’ (2019)
Diretor: Quentin Tarantino
Rick Dalton é um ator famoso na TV que tem Cliff Booth como seu dublê em cenas perigosas, no fim dos anos 1960. Os dois tentam acompanhar as mudanças da indústria cinematográfica em meio a celebridades como Bruce Lee, Sharon Tate e Roman Polanski.

‘Os Fabelmans’ (2022)
Diretor: Steven Spielberg
Sammy Fabelman é um menino que se apaixona por filmes depois que seus pais o levam para ver ‘O Maior Espetáculo da Terra’. Ele ganha uma câmera e começa a fazer seus filmes em casa, ao mesmo tempo em que seus pais vivem momentos de tensão no casamento.