A Gazeta do Povo noticiou recentemente um caso de violência obstétrica causado por uma disputa em torno da paternidade do bebê. Sempre que ouço notícias sobre esse tipo de situação penso nas inúmeras vezes que já ouvi gente (e principalmente mulheres) acusando mulheres de dar o tal “golpe da barriga”. E chego à conclusão de que já passou da hora da gente parar de fazer esse tipo de acusação. Quer ver?

Vamos fazer um exercício de raciocínio hipotético: uma mulher quer dar o tal “golpe da barriga”. Ou seja, engravidar de um cara para, sei lá, ganhar pensão, fazer o cara casar com ela, manter o marido/namorado em casa etc etc. Ok. Vamos supor que essa mulher hipotética existe e está disposta a fazer isso. Vamos chamar ela de Hipo.

Pois bem, amigos, a Hipo quer engravidar de surpresa, sem alertar o desavisado marido/namorado/ficante/paquera. Ela para de tomar o anticoncepcional e pronto. É só esperar a chance do rapaz resolver transar com ela, certo?

Errado!!

Queridos, queridas, como todos sabem, takes two to tango, right? (Se você não sabe disso, por favor, pare de fazer sexo). Ninguém engravida por concepção imaculada. Tem que ter sexo com um homem. Incrível, não? Pois é, mas a teoria do “golpe da barriga” encara o homem como um boçal que tá ali à mercê da mulher, vítima dos próprios impulsos, incapaz de perceber o papel dele na trama. É isso, gente?

Nananinanão. O homem é parte ativa (olha o trocadilho infame aí, meu povo) na história. Ele tem que estar lá, tem que ejacular (ou algo assim) e ele tem consciência de que há nele o potencial de ser pai. (Mais uma vez, se ele não sabe, por favor, pare de fazer sexo com ele).

É aí que eu queria chegar: o homem TEM responsabilidade sobre seu potencial reprodutivo. Ele não é vítima. Ele não é passivo. Ele precisa saber O QUE e QUANDO fazer o que é preciso para evitar uma gravidez indesejada.

Daí você, minha querida, que tem sempre uma conhecida que é assim e assado (e que, claro, você condena isso) e que deu o golpe porque mentiu que estava tomando anticoncepcional e não estava. GRANDESCOISAS, minha querida. A responsabilidade continua ali, na cara do homem. Ele pode usar camisinha. Aliás, ele DEVE usar camisinha porque AIDS e outras DSTs estão por aí, dando sopa, loucas para pegar um desavisado.

Ele pode não fazer sexo (sim, os homens são capazes de dizer não para sexo. Sério. É verdade). Pode praticar alguma modalidade alternativa ao sexo com penetração (tipo sexo oral, sexo anal, masturbação mútua). (Se você acha que alguma modalidade dessa engravida, sério, por favor, pare de fazer sexo).

Tá, mas a fulana é vagabunda, a fulana e descarada etc etc. É isso? Tá, digamos que a Hipo é tudo isso que você falou. E que sacaneou o pobre coitado do namorado/marido etc. Ok. Mas quando você corrobora o discurso do “golpe da barriga” você SEMPRE coloca o homem no papel de vítima, de alguém que não poderia fazer nada para evitar o destino trágico de ter um filho com a fulana. O que é MENTIRA.

O triste é que é EXATAMENTE esse o mesmo raciocínio que justifica o estupro. Duvida?

A menina é bonita, tá de saia, deu bobeira e foi estuprada. Culpa dela, não? O estupro nada mais é que o desejo irreprimível por algo. Certo? Não. MAS é isso que você diz quando aceita que os homens são vítimas da volúpia feminina, MEU BEM.

(Abre parêntesis: estupro não é desejo. Estupro é exercício de poder. Olha aí outro problema com essa argumentação torta. Fecha parêntesis).

Nós (homens e mulheres) são seres pensantes. A gente pode até sucumbir ao desejo (seja ele qual for), nos deixar levar pelo momento, mas isso não elimina o fato de que: 1) somos conscientes das consequências e 2) podíamos DECIDIR não se render ao desejo.

Qual o resultado disso? É que a gente ainda vive numa sociedade na qual a responsabilidade sobre a reprodução humana, sobre a maternidade/paternidade é só da mulher. Isso inclui você, querida, mesmo que você não tenha filhos. Porque um dia você pode transar e esquecer da pílula, ou a camisinha pode estourar ou sei lá o que (porque nenhum desses métodos é 100% eficaz) e daí o problema será teu. Só teu. Mesmo que você não tenha ficado grávida sozinha.

Tá, mas você não pode ter filhos ou deu um jeito definitivo nisso. O pepino continua o mesmo, porque, afinal de contas, se o padrão é a mulher querer filhos tão desesperadamente que o faz enganando os pobres dos homens, qual é o problema contigo, que não quer a mesma coisa? E mesmo não querendo filhos, você é mulher. E, portanto, exerce esse poder sobre a sexualidade masculina contra o qual eles não ou muito pouco podem fazer.

Então vamos parar com essa história? Nós precisamos respeitar mulheres e homens. É isso. Esse papo de “golpe da barriga” é desrespeitoso com ambos. Vamos assumir a responsabilidade que temos por nossa sexualidade e potencial reprodutivo. Não é sexy, mas vai nos fazer evoluir. E é isso que, no fundo, precisamos para ser um mundo melhor.