
Desde pequena minha mãe levava eu e meus irmãos nas benzedeiras. Fosse por dores sutis, sono intranquilo ou uma tosse mais aguda. No meu caso, quase sempre eram as alergias de pele. Não era fé cega, apenas fé. Médicos e medicamentos sempre tiveram o seu devido crédito e as benzedeiras, o plus do tratamento. Isso me reporta o quanto ciência e fé sempre andam juntas. Uma não anula a outra, ao contrário, se fortalecem!
A benzedeira é uma “médica espiritual”. Usa seus conhecimentos com ervas e seus processos energéticos passados a cada geração, para o bem das pessoas. Essa mulher da linhagem da cura, por vezes é chamada de “feiticeira”, “curandeira” e outros atributos por muitos considerados ofensivos, por puro preconceito.
Todo esse quadro de apresentação do chamado inconsciente coletivo, para falar da “minha benzedeira”, a Dorasilva, Dora ou Dona Soledade, como era conhecida numa zona rural do interior do Rio Grande do Sul.
Em 2000 desenvolvi uma espécie de psoríase rara. Fiquei cheia de manchas salientes em 80% do meu corpo. Fui tratada por uma equipe médica excelente, com medicações caras e diagnóstico lento. Toda a situação me levou a um quadro de prostração, tristeza e desânimo, até que fui levada pelo meu pai à Dorasilva.
Benzedeira conhecida na região de Arvorezinha (RS), soube que era uma mulher idosa e de cura. No carro, fiquei a imaginar uma senhora velhinha dentro de todos os estereótipos do imaginário popular e ao chegar na casa dela, uma construção grande de madeira envelhecida, me deparo com uma mulher esguia, com a coluna ereta e o cabelo preto como a asa da graúna.
Hospitaleira, Dora cuidava de netos, tomava o chimarrão com a chaleira constante sobre o fogão à lenha e depois de muita conversa com meu pai, olhou para mim e disse: “isso que você tem é café pequeno”. Fomos em um quartinho e lá, depois de atravessar a cortina de chita, o universo das benzedeiras: um quadro com moldura grossa de fios dourados do sagrado coração de Jesus e Maria; uma estatueta de São Jorge e Preto Velho, um copo americano com água benta e galhos de arruda, imagens de anjos, figas, terços, uma Bíblia aberta com marcador acetinado vermelho, fitas multicoloridas do Bonfim, calendário da Seicho-no-ie, Buda em prato com moedas e todo o sincretismo religioso que pudesse figurar num espaço tão pequeno e ao mesmo tempo acolhedor.
Dora me benzeu com os galhinhos e dizeres sussurrados. Fazia uma coreografia de passes e olhos semicerrados e ali só a energia da fé. Ela me deu uma receita caseira com um lembrete: “você já vai ficar boa! Os médicos que estão cuidando de você são ótimos, siga eles, só não passe mais a pomadinha, mas faça o que eles dizem”. Ficamos mais um pouco naquele ambiente de crianças, cães que abanam moscas com o rabo, vizinhos de cumprimentos distantes e acenos costumeiros. No retorno para casa, minhas feridas começaram a secar.
Reencontro mágico – Passados alguns anos, mandei um vestido indiano para ela e uma foto que havia me pedido para sempre orar por mim. Quase uma década depois, retornei com meu pai, minha filha e sobrinha. Era outra casa. Fácil de encontrar numa localidade com menos de 10 mil habitantes e uma benzedeira que recebia pessoas de todas as parte do mundo.
Achei que ela não me reconheceria e até pensei que sua calorosa recepção fosse apenas o seu jeito alegre de ser. “Hoje disse que a minha menina vinha me ver, sonhei com você”, me disse convicta. Só acreditei quando pediu para alguém da casa trazer minha velha foto na mesa de benzimento.
Com seu costumeiro astral de amor e alegria, Dora que já passava dos 80, estava feliz com seu novo relacionamento afetivo, o retoque da raiz e a visita de quem sempre falava que tinha a mim no coração.
Ano passado eu tentei me comunicar com ela, quando assumi meu papel de terapeuta integrativa, de ajudar as pessoas que precisam com o toque das mãos. Eu queria que ela me ensinasse a benzer, mas eu a sentia de forma diferente.
Soube no fim do ano que Dora já havia partido, que já havia cumprido seu papel de amor e cura. Eu escrevo esse texto para honrar as benzedeiras, as pessoas que com seus conhecimentos ajudam outras, melhoram outras, sem julgamentos daquilo que você crê.
Eu escrevo esse texto para Dora, Dorasilva, a Dona Soledade, inspiradora, encantadora e humana!
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*Ronise Vilela é criativa de conteúdos de Comunicação Afetiva e Terapeuta.
Essa coluna tem o apoio da Consonare, maior plataforma de terapias integrativas da América Latina.
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