No início da década de 90, quando nem imaginava ter filhos, convivi com uma geração de mães que resolveram abolir o não do dicionário. A justificativa mais recorrente da qual me lembro, era que para uma frase que continha o não, as demais palavras reforçavam a afirmativa. Ou seja, se você dissesse a criança não faça isso!, na verdade a criança assimilaria a frase afirmativa faça isso, o que na tese da época era quase um mantra.
Sem fazer parte do universo maternal, em que achamos que todas as teorias são aplicáveis, percebi uma década depois, que todos os filhos criados sem o não, são os rebeldes sem causa, educação e padrão de hoje.

O não faz parte do nosso crescimento, do processo de amadurecimento até o fim de nossos dias. A resposta negativa sempre é frustrante, mas é o dito mal necessário. É desta forma que aprendemos a lidar com as frustrações.

Viver em sociedade, entretanto implica necessariamente em adaptação a normas e regras, por isso há a necessidade de limites claros e definidos, que possibilitam a aprendizagem requisito para a criança buscar a sua individualidade e independência, analisa a psicóloga Josiane Knaut, explicando que esse processo começa pelos 18 anos com a conhecida birra.

O que fazer?
De acordo com Josiane, o primeiro passo para enfrentar esta difícil fase do desenvolvimento é os pais perceberem que tipo de emoção sentem ao se verem flagrados num momento desses, pois geralmente ao verem a criança numa situação de birra os pais se envolvem emocionalmente. Por exemplo: há pais que imaginam que aquele comportamento ocorre como sinal de desaprovação a eles e acabam concluindo que o pequeno está revoltado e os ama menos. Esse medo da perda do afeto o faz sentirem-se culpados e por consequência acabam cedendo, mostrando a criança o caminho para que ela consiga aquilo que quer. Ou seja, a criança aprende que é via choro, grito ou qualquer outro comportamento irritante que acaba atingindo o seu objetivo.

Outros pais veem a reação dos filhos como desobediência, desrespeito e desafio a autoridade, sentindo-se colocados em xeque, isso os deixa com muita raiva, o que faz com que castiguem seus filhos. Há ainda o grupo de pais que logo após dizer NÃO , não aguentam a pressão e acabam dizendo SIM, permitindo a criança sentir o domínio de um grande poder em relação a eles, além de levá-la a falsa ilusão de que todos estão a sua disposição o tempo todo.

Quaisquer dessas atitudes, tanto a permissiva, quanto a punitiva, desencadeiam ansiedades na criança, conclui a psicóloga.

As experiências
Descobri que tem não que dói mais dizer do que receber. E que inúmeras vezes é mais fácil ceder e deixar meus filhos fazerem alguma coisa que eu não queira para não me incomodar ou porque não estou disposta a ser mais persistentes que eles. Mais fácil naquela hora, porque certamente e num futuro não tão distante aquela minha ‘preguiça’ vira contra mim e o trabalho para ensinar será dobrado, um não bem dito é NÃO, pronto e acabou; um não pouco convincente vira teimosia e irritação É um exercício diário falar não, principalmente saber como falar.

Até a entonação da voz influencia, conta a farmacêutica Cristiane Martin Pedroso de 35 anos, mãe duas crianças.

O fotógrafo Claudio Graziani, tem dois filhos de dois casamentos. Ele conta que foi mais duro com Leonardo, hoje com 27 anos e por problemas de saúde, flexível com Murilo, de 23. Mas a necessidade de falar não sempre foi grande, eu precisava dar liberdade aos dois. E, entre limites definidos existe liberdade, sem eles é ilusão, opina.

Tenho para mim que filhos são para o mundo, a gente assiste à criação, não cria Absolutamente nada. Colocamos eles no mundo, não somos seus donos., conclui Graziani.

Dica
Independente do contexto, o não deve ser firme e irreversível. A certeza absoluta não existe quando educamos alguém, mas há de se ter uma orientação, um propósito, uma linha. Não adianta a mãe dizer não e o pai reverter a negativa para a concessão, ou vice-versa.

É claro que a negativa dos pais é importante para a criança se orientar, entretanto é necessário que as ordens sejam claras e firmes (firmeza não é sinônimo de agressividade). Sabe-se o quão difícil é para os pais dizerem e manterem um não frente a choradeira. Se faz importante então esclarecer à criança que se entende o quanto é ruim não poder fazer tudo o que se deseja, mas que a ordem deverá ser cumprida. Também se faz necessário mostrar a criança que ao desaprovarem um determinado ato, não estão gostando menos dela, para isto os pais devem perceber a diferença de se dizer: não gosto de você porque me beliscou (forma inadequada) e não gosto de beliscões, por isso não quero que me belisque (forma adequada)., esclarece a psicóloga.