Dizem que uma imagem vale mais do que mil palavras. Angela Lago conhece bem essa máxima. Foi candidata diversas vezes, ao Prêmio Hans Christian Andersen por suas ilustrações em livros brasileiros, franceses e japoneses. Porém, como uma boa escritora, Angela sabe que a unidade entre texto e imagem se traduz em um livro infantil de qualidade. O resultado dessa dedicação pode ser conferido em João Felizardo – O Rei dos Negócios (Cosac Naify, 32 págs.). A obra foi inspirada em um conto muito antigo, que já foi adaptado por diferentes autores, entre eles, famosos como os irmãos Grimm. João Felizardo fala sobre o desejo de conquistar e o valor dos objetos. “Escolhi essa história pela estranheza que provoca, alguém que troca constantemente seus pertences. Um conto que sempre falou muito comigo e despertou  o interesse por colecionar as suas diferentes versões”, explica Angela. “Todas as adaptações discorrem sobre a importância da perda para se conquistar algo. Um tema que merece reflexão hoje, diante de uma sociedade capitalista.”
A primeira edição de João Felizardo saiu no México. A convite do amigo Daniel Goldin, editor do Fondo de Cultura, Angela escreveu uma história original, inédita. Aproveitou a oportunidade para realizar o sonho de fazer sua versão do conto que tanto gostava. Após o lançamento, a edição mexicana fez tanto sucesso, que a Biblioteca de Munique, na Alemanha, selecionou a obra para a sua lista de melhores do ano. O curioso é que a obra foi a única mexicana escolhida e escrita por uma autora brasileira.

SAGA — No Brasil, o livro chega às livrarias em uma bela edição pela Cosac Naify. “Foi uma produção extremamente bem cuidada tanto de edição, como a tradução para o português”, diz. O texto é contido, poucas palavras, escrito de forma direta, o que incita a reflexão sobre as nossas ambições. O menino aprende que até a morte não é uma perda por completo, mas uma transformação. A saga começa em um cemitério, quando recebe de herança uma moeda, que troca por um animal, que troca por outro até alcançar o existencial.

“Felizardo escolhe um burro, porque o cavalo era muito veloz. Ele sempre troca de animal por outro que tenha uma qualidade oposta à do primeiro. Muitas vezes desejamos tanto algo e, quando o adquirimos, percebemos os seus defeitos e aquilo perde o encanto inicial”, destaca. João Felizardo troca sucessivamente suas posses, vai gradualmente se destituindo das suas necessidades até alcançar a liberdade. “Quando abrimos mão do ‘ter’, conseguimos nos sentir mais livres, mais felizes.”
Angela explica que sempre gostou dos contos de fadas e de contar histórias para crianças. Leitora voraz, desenhista nata, ainda menina já publicava poemas visuais em suplementos literários mineiros. O gosto pelo desenho veio cedo e a vontade de experimentar continua forte. “Eu já utilizei um pouco de tudo, da aquarela ao lápis de cor, mas atualmente o meu instrumento preferido é o computador, que me dá a sensação de frescor, abre a possibilidade de um jeito novo de desenhar, faço coisas que não poderia com a prancheta”, conta.

Para ela, os traços do computador são mais soltos. “Fica a impressão de que é algo novo e o desafio de poder aprender mais.” Neste livro, as imagens se destacam por suas cores fortes e pelas pinceladas firmes.

A escritora-desenhista considera mais fácil ilustrar os seus livros do que os de outros autores. “Nos meus trabalhos, texto e imagem dialogam. Enquanto preparo um livro, o desenho interfere na história e vice-versa. Sou livre para modificar os dois até chegar ao equilíbrio e unidade de um livro. Quando recebo a obra de outro autor pronta, fico, humildemente, a serviço do texto.” Nascida em Belo Horizonte em 1945, Angela Lago já lançou cerca de 30 títulos no País. Estudou desenho gráfico na Escócia. Recebeu diversos prêmios Jabuti e da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil e outros internacionais. Por três vezes, foi a candidata brasileira ao Prêmio Hans Christian Andersen de Ilustração do International Board on Books for Young People (IBBY). O livro Cena de Ruas (1994) foi incluído em uma coletânea da Abrams Press, de Nova York, e selecionado entre os 15 melhores livros de imagens do mundo.