“A criação de Adão”, pintura do artista Michelângelo, em 1511, presente no teto da Capela Sistina. A obra demonstra a simbologia do eterno desejo de comunicação e conexão entre Deus e o homem (Imagem: Divulgação).

Em meus estudos acadêmicos de Jornalismo, aprendi que o ato de se comunicar é essencial ao ser humano. Quando ainda somos bebês e não dominamos nossa língua materna, nos comunicamos com ruídos, balbucios ou gestos para demonstrar algum tipo de gosto, sensação de frio ou calor, fome ou até mesmo alguma dor. De certa forma, revelamos isso para nossa mãe ou cuidador, na intenção de obter aconchego, carinho, alimento… Como todo ato comunicativo necessita de reciprocidade, da parte de quem nos cuida e nutre também há a expectativa de receber um sorriso ou, à medida em que vamos crescendo, ganhar alguma palavra de afeto, um abraço, um gesto de amor… É possível então, afirmar, que o ato de comunicar pressupõe a necessidade de uma resposta.

Mas não é só a área da Comunicação que trata deste tema: a Teologia também faz a inclusão dessa realidade em sua esfera. Exemplo disso, é fazermos uma breve análise da Questão 1 da Suma Teológica escrita por Tomás de Aquino, em seu artigo de número 9 – “Deve a Doutrina Sagrada empregar metáforas ou expressões simbólicas?”. No conteúdo, pode-se entender que as metáforas são instrumentos que permitem ao homem a possibilidade de alcançar a Deus por meio de exemplos práticos, que aplicados à vida quotidiana podem ser melhor assimilados. Outros exemplos são as parábolas de Jesus, que aparecem frequentemente nos Evangelhos e comprovam a importância da eficácia de um processo de comunicação. Ou seja: que a mensagem proferida por um emissor seja recebida e interpretada de maneira coerente por seu receptor.

Tomás de Aquino e sua opinião sobre o uso de metáforas na Teologia

Quando Tomás de Aquino sobre esse tema, diz: “é natural ao homem elevar-se ao intelegível pelo sensível”. Ou seja, Aquino demonstra que os cinco sentidos (visão, audição, tato, paladar e olfato) podem ser portas para que não só o mundo, mas também Deus possa se manifestar em nós. Compreendendo esse aspecto da manifestação de Deus na vida humana, é possível traçar por meio do pensamento de Tomás de Aquino uma relação entre o uso da metáfora e da Comunicação enquanto ciência para a compreensão da Revelação.

Por meio de inúmeros exemplos metafóricos que encontramos na Sagrada Escritura, podemos perceber que Deus se comunica de diversas maneiras com o homem. Pela doutrina sagrada, que é o coração da Teologia, Ele se revela por amor e espera uma resposta de amor de nossa parte. A Revelação, desejada por Deus, é aquela em que Ele fala aos homens “como amigos, e com eles se entretém para os convidar à comunhão consigo e nela os receber”, conforme consta no Catecismo da Igreja Católica (CIC 142). O que deve o homem fazer diante desse convite, dessa oportunidade de comunicar-se intimamente com Deus? O mesmo número do Catecismo diz que “a resposta adequada a este convite é a fé.”

Sabendo, então, que a Revelação é um desejo de Deus para aproximar-se mais profundamente de seus filhos, dando-se a conhecer e, portanto, deixando-se amar, pode-se afirmar que quanto mais se conhece, mais se ama. É por essa razão que grandes santos da Igreja, como Santo Agostinho, justificavam seus estudos teológicos com a ideia de que a Revelação nada mais é do que uma oportunidade que Deus nos oferece para crescermos no amor, na fé e em comunhão com Deus. Agostinho articulou a seguinte ideia em seu célebre Sermão de número 43: “eu creio para compreender e compreendo para crer melhor”, em latim: Intellige ut credas, crede ut intelligas. 

Nesse mesmo prisma, podemos citar também a Constituição Dogmática Dei Verbum, que em seu primeiro capítulo afirma que: “pela Revelação Divina quis Deus manifestar e comunicar-se a Si mesmo e os decretos eternos de Sua vontade a respeito da salvação dos homens, para os fazer participar dos bens divinos, que superam absolutamente a capacidade da inteligência humana.”

O homem é capaz de “compreender Deus”?

Como pode ser o homem capaz de compreender o que Deus revela, o que Ele comunica? O Catecismo da Igreja Católica afirma que “o homem é capaz de Deus” (CIC 27). Ou seja, é capaz de Deus no sentido de que é, por natureza, apto a relacionar-se com Ele e, por conseguinte, comunicar-se reciprocamente. Acerca desta questão, o Catecismo da Igreja Católica também indica que: “O desejo de Deus está inscrito no coração do homem, já que o homem é criado por Deus e para Deus; e Deus não cessa de atrair o homem a si, e somente em Deus o homem há de encontrar a verdade e a felicidade que não cessa de procurar.”

Tais ensinamentos reforçam a tese de Tomás de Aquino no artigo ora mencionado da Suma Teológica, uma vez que demonstram que, ser capaz de Deus significa ter sido criado por Ele mesmo já com condições e capacidade para ouvir sua Palavra, coloca-la em prática e, sobretudo, contar com Seu auxílio para crer a ponto de viver em profunda comunhão de amor com Ele. Por termos sido criados à imagem e semelhança de Deus, trazemos em nosso interior a Sua marca, o seu “perfume”. E, é por isso que o que complementa a natureza humana é a união com Deus por meio da fé.

Aquino é categórico ao afirmar, dentro desse panorama, que “o fulgor da Divina Revelação permanece em sua verdade, não sendo supresso pelas figuras sensíveis que o envolve”. Este pensamento tomista indica que o uso de metáforas contribui, portanto, para que o receptor dos conteúdos presentes na sagrada doutrina seja instigado a refletir, a pensar, a relacionar-se com Deus.

Este desejo de viver nessa “atmosfera sobrenatural”, inebriados por este “perfume”, que nutre o anseio de comunhão, a necessidade de comunicação, de conhecer Aquele que deposita em nosso coração a liberdade para Amá-lo é, à exemplo do bebê que chora pedindo o colo de sua mãe, uma “busca pelo colo de Deus”, por um relacionamento íntimo com ele. Tal inquietude é comum aos homens que desejam uma relação com o Criador, que desejam conhecer a face de Deus, de amá-lo com todo o coração e de corresponder ao seu chamado de Amor para participar de seu Reino, daquilo que nos foi Revelado.

O desejo de comunicar-se com Deus: a metáfora da arte

Há uma incansável e inquietante tentativa do homem relacionar-se com a divindade, prova disto é a história das religiões. Por ela, os seres humanos se inclinaram ao longo de séculos para  buscar uma ligação com o transcendente que se lhes apresentasse como um mistério tremendo e fascinante. Esta realidade leva-nos a afirmar que não somente a comunicação, mas também a religião é um elemento constitutivo do ser humano, embora tenhamos consciência de que esta dimensão humana possa ser ignorada, esquecida ou até mesmo livremente rejeitada pelo homem. 

Aquino ainda discorre que o conhecimento que alcançamos de Deus nesta vida muitas vezes é limitado, “porque de Deus sabemos mais o que Ele não é do que o que é”. Esse posicionamento dialoga facilmente com outra expressão de Santo Agostinho, que, em suas Confissões, apresenta a famosa frase: “Fizeste-nos para ti Senhor e nosso coração está inquieto enquanto não repousa em ti.”

Esta sede de Deus que trazemos em nosso íntimo é fruto também daquilo que Ele depositou em nossos corações e de que nos dá liberdade para buscar ou não. Afinal, é pelo conhecimento da Revelação, à luz da interpretação de sua mensagem – seja ela direta, seja por meio de metáforas – que nossa fé se dilata e se qualifica numa inquietude sadia de busca por Deus.

Exemplo disso são também as obras de arte. Na ilustração da Capela Sistina, Michelangelo Buonarotti pintou, em 1511, “A Criação de Adão”. A imagem representa o momento descrito no livro do Gênesis, no qual Deus cria o primeiro homem: Adão. As posições de Deus e Adão na pintura representam o fato de que, como diz o texto do Gênesis (1,27), “Deus criou o homem à sua imagem e semelhança”. O elemento principal da imagem, dentro da propositura deste artigo, certamente é percebermos que ambos inclinam os braços para estabelecer um contato, um toque, uma comunicação.

Portanto, no quesito teológico, é pelo estudo da Revelação que compreendemos como se dá essa conexão no dia a dia. Afinal, se compreende que Deus levanta o véu de seu mistério infinito e cotidianamente nos convida a contemplar sua face, nos revela seu nome, nos dá sua Lei, nos presenteia seu Filho e orienta nossa vida para a realização plena, repleta de sentido e, sobretudo, para o encontro final consigo já sem alegorias ou metáforas, mas face a face.

 

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  * Ana Beatriz Dias Pinto, é comentarista convidada do blog e nos traz reflexões sobre temas atuais e contextualizados sob a ótica do universo religioso, de maneira gratuíta e sem vínculo empregatício, oportunizando seu saber e experiência no tema de Teologia e Sociedade para alargar nossa compreensão do Sagrado e suas interseções. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGOSTINHO, Santo. Confissões. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Coleção “OS PENSADORES”). Tradução de J. Oliveira Santos, S.J., e A. Ambrósio de Pina, S.J.

AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. v. I, parte I. 2ª ed. São Paulo: Edições. Loyola, 2001.

BÍBLIA. Português. A Bíblia de Jerusalém. Nova edição rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 1985.

BOFF, Clodovis. O rigor do Método: princípios elementares em Aristóteles. Localizado em: Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Escola de Educação e Humanidades. Reg 50279. 2015. 12p.

CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. 3ª. ed. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Paulinas, Loyola, Ave-Maria, 1993.

CONCÍLIO VATICANO II. Constituição dogmática Dei Verbum. In: Documentos do Concílio Vaticano II: constituições, decretos, declarações. Petrópolis: Vozes, 1966.

GILSON, Etienne. A filosofia na Idade Media. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes. 1995.  (NOTA: na página 144: “Um texto célebre do Sermão 43 resume essa dupla atividade da razão numa fórmula perfeita: compreender para crer,crê para compreender (intellige ut credas, crede ut intelligas).”