Kindel Media – As memórias podem ser muitas vezes o preenchimento dos vazios da nossa lembrança

Toda memória pode ser dita como uma constituição implantada a partir de uma emoção. Algo relevante criado por nós ou por terceiros que ativa mentalmente, emocionalmente e algumas vezes fisicamente. A memória exposta a olho nu é o que queremos que seja visto. Na lupa psíquica, pode ser a construção do recorte e da narrativa, segundo nosso repertório, nossa experiência. 

As memórias podem ser muitas vezes o preenchimento dos vazios da nossa lembrança. Algo presumido, uma expectativa não alcançada e por isso fantasiosa e em outras difusa ao ponto de não sabermos o quanto daquilo é real ou não.

Catarina interrompeu sua narrativa de amor platônico por José depois de 20 anos. Contou a história em verso, prosa, roda de amigos e na terapia, até chegar ao ponto em que não conseguia ter noção legítima se realmente havia sido um amor sem a consciência de José ou se era algo que usou como “muleta”, para transformar esse sentimento em proteção, a fim de evitar novos relacionamentos mais profundos. Todas as vezes em que Catarina recontava a trajetória, era de forma diferente, mantendo a essência de amor legítimo, sincero, porém à distância. Ao perceber que, ao deixar de contar a sequência que sustentava para justificar seu não envolvimento afetivo com outras pessoas, detalhes se perdiam e a própria consistência da história ficava diluída em sua importância.

Isso pode significar que a memória tem peso e medida, de acordo com nosso estado atual. A curva do esquecimento de Hermann Ebbinghaus pode ter seu valor, quando diz que algo aprendido pode ser facilmente esquecido, caso não seja sistematicamente usado. Contudo, ao retomar à informação, seu acesso é mais fácil. Então, Catarina ao acessar sua memória com José tem um quadro mental pronto. Ao externá-la é que sofre as variações, pois está em outro momento emocional e detalhes podem ser supridos nessa nova versão.

Frederic Bartlett defendia que as memórias são reconstrução dos fatos, com base em “elementos chaves do nosso repertório pessoal”.   

Estresse e pós-trauma – Em situações limites de estresse e pós-trauma, as memórias sofrem ainda mais distorções. A mente pode esvaziar ou substituir por outras menos dolorosas. E aqui conto um pouco sobre meu pós-trauma de acidente automobilístico de 26 anos. Muitas das memórias foram aparecendo no decorrer do tempo. Percebo que algumas delas não são confortáveis e então “pulo” essa parte, sempre enaltecendo àquelas em que a sobrevivência, força de vontade e superação são os pontos relevantes. E por quê? Porque dão sentido e força a minha existência. Em caso contrário, poderia ser levada a um caminho de eterna vitimização, que me deixaria no looping do próprio fato vivido, como se estivesse num looping. Ou seja, presa ao momento e revivendo a mesma dor.

Outra perspectiva das memórias está justamente nesse amortecimento da dor. Alterar ou esquecer servem como “analgésicos” da frustração, do trauma ou até mesmo de criar uma alegoria para deixar algo mais especial, como descrevemos nas tais memórias afetivas.

Na consciência da nossa memória herdada ou criada, sim, há memórias que herdamos de forma inconsciente de nossos cuidadores, família, a fim de honrar nosso sistema de vida, podemos então estar prontos para a escolha, a partir do amadurecimento atual. Uma memória não precisa ser um castigo ou mera fantasia, pode nos servir de inspiração para o que devemos ou não validar daqui em diante.

*Ronise Vilela é criativa de Comunicação Afetiva e Psicanalista Integrativa. Atende pacientes on-line e presencial com terapia que inclui escuta ativa, respiração consciente, Escrita Afetiva e meditação fácil.

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