SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A mesa suja com uma embalagem de pizza, copos plásticos, restos de refrigerante e garrafas de água evidenciava que assessores parlamentares haviam passado dezenas de horas em uma fila num corredor da Assembleia Legislativa de São Paulo para protocolar pedidos de CPIs.


Do final da tarde de sexta-feira (15) até as 8h30 desta segunda (18), quando a Casa abriu as portas do protocolo, assessores se revezaram durante quase 63 horas, em uma estratégia do PSDB para barrar a criação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) sobre a Dersa.


A tática para evitar neste momento a investigação que poderia atingir governos tucanos foi bem-sucedida e, à frente dela, a base do governador João Doria (PSDB) emplacou outros pedidos com potencial ameno para desgaste político.


Entre eles, para CPIs sobre a situação da barragem Salto Grande, em Americana (SP), sobre a venda irregular de animais e sobre a prestação de serviços de táxi aéreo. Na lista de prioridades, até uma CPI sobre os alojamentos de clubes esportivos ficou na frente de apurações sobre a Dersa.


A tentativa de partidos de oposição de investigar a estatal paulista de infraestrutura rodoviária mirava os escândalos de corrupção protagonizados pelo engenheiro Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, em governos do PSDB, que administra o estado desde 1995. Preso em Curitiba, ele é suspeito de atuar como operador do partido.


Pelo regimento da Assembleia, as CPIs são instauradas na ordem em que forem protocoladas, e só cinco podem funcionar ao mesmo tempo.


As investigações têm prazo de 120 dias e podem ser prorrogadas uma vez, por 60 dias, somando um período de até seis meses de duração.


Na sexta, quando os deputados eleitos em 2018 tomaram posse para a nova legislatura (2019-2022), PSL e PT conseguiram, cada um, as 32 assinaturas suficientes para protocolar a CPI da Dersa.


A oposição ao PSDB uniu petistas ao partido do presidente Jair Bolsonaro, já que deputados do PT assinaram a CPI do PSL e vice-versa.


Diante disso, a base do governo Doria se organizou para garantir o primeiro lugar na fila desde o final da tarde de sexta, e assessores do deputado Carlão Pignatari (PSDB), líder do governo na Casa, conseguiram protocolar 11 CPIs na manhã desta segunda-feira.


O PT, segundo lugar na fila do protocolo, registrou a CPI da Dersa em 12º lugar, o que significa que ela só poderia ser instaurada no ano que vem.


O partido ainda perdeu uma assinatura: o deputado Mauro Bragato (PSDB) retirou seu nome da CPI, que mesmo assim manteve o mínimo de assinaturas necessárias. A assessoria de Bragato afirmou que ele seguiu uma orientação da bancada do PSDB e que Paulo Preto já é alvo da Justiça.


As 11 comissões de inquérito foram protocoladas pelo PSDB em nome de diferentes deputados da base de governo. Alguns deputados nem sabiam que suas CPIs estariam no pacote, como o deputado Bruno Ganem (PODE).


Ele chegou à Assembleia às 6h40 desta segunda e entrou na fila para protocolar uma frente parlamentar contra maus tratos de animais. Quando chegou sua vez de ser atendido, registrou a frente sem saber que a sua CPI já havia sido protocolada pelos assessores do PSDB.


Como foi a segunda a ser protocolada, a CPI sobre maus tratos de animais pode ser instaurada neste semestre. Na legislatura passada, houve uma CPI com o mesmo tema, que funcionou entre outubro de 2017 e maio de 2018.


Pignatari afirmou à Folha de S.Paulo que a iniciativa de protocolar várias CPIs não foi uma manobra. “Eu avisei ao PT e ao PSL na sexta que eu começaria a fila”, disse. “Não pode ter preguiça, nós gostamos de trabalhar”, completou.


Questionado pela reportagem sobre o porquê da pressa, afirmou: “temos o direito de protocolar nossas CPIs”. “Os deputados de outros partidos pediram ajuda para protocolar, já que nós estávamos lá na fila.”


Pignatari afirmou ainda que o governo Doria não tem nada a ver com a ação e que o Executivo não tem problema algum com investigações. O tucano disse estar aberto a negociar com os demais partidos para que a CPI da Dersa fure a fila e seja instaurada.


Na sexta, Pignatari havia dito que “se 32 deputados quiserem a CPI [da Dersa], temos que respeitar”. Cauê Macris (PSDB), reeleito presidente da Casa, também afirmou que não iria barrar CPIs contra o seu partido.


A Assembleia ainda terá que conferir as assinaturas de todas as CPIs protocoladas para verificar se elas cumprem os requisitos para serem levadas adiante. No total, foram registradas 23 comissões.


Os deputados Paulo Fiorilo (PT), Gil Diniz (PSL) e Janaina Paschoal (PSL) foram à abertura dos protocolos pela manhã e houve confusão ao contar a fila de assessores.


“Essa é a investigação mais importante do estado de São Paulo”, disse Janaina, erguendo os papeis da CPI sobre a Dersa. “Não estamos passando na frente, viemos fiscalizar o protocolo”, afirmou Gil.


O líder da bancada do PSL afirmou ainda que vai buscar formas de tentar instalar a CPI da Dersa, passando-a à frente das demais.


Gil quer sentar com líderes partidários e negociar para que o PSDB ceda ou passar a obstruir votações do governo para fazer pressão.


Na sexta, assessores de Pignatari entraram na fila às 19h15. Quinze minutos depois chegaram os assessores do PT. Nas mais de 60 horas de maratona, houve quem relutasse em dormir para não acordar com o susto de ter perdido posições na fila ou pior: ter a papelada da CPI furtada durante a soneca.


No total, 25 assessores do PT se revezaram. O partido protocolou CPIs sobre feminicídio, renúncia fiscal e a cava subaquática de Cubatão.


Por volta das 8h desta segunda, já eram 15 deputados representados por seus assessores na fila, que mantinham um controle pelo WhatsApp. Cada um que chegava era acrescentado à lista compartilhada pelo aplicativo.


A corrida pelo protocolo de CPIs no início de cada legislatura já havia ocorrido em períodos anteriores. Uma das diferenças deste ano foi que a fila, que geralmente se forma ao amanhecer da segunda, já havia começado na sexta.


Outra novidade foi o fato de o PSDB ter protocolado CPIs de outros partidos –a legenda domina o governo estadual e a Assembleia há mais de 20 anos. O PT afirmou que irá questionar o procedimento.