Todos os povos e grupos sociais procuram definir uma identidade comum através de símbolos e objetos materiais e virtuais que os representariam em detrimento de todos os demais.
Jabuticaba, carnaval, malandragem, cordialidade, corrupção, futebol campeão. Isso e muito mais faz parte das qualidades e características assumidas como genuinamente brasileiras, e num exagero, só brasileiras. Não é bem assim: jabuticabas são encontradas também em muitos outros países, carnaval é uma festa de origem religiosa comemorada no mundo todo de várias maneiras, malandragem não é defeito apenas nosso, cordialidade também não é virtude de que tenhamos o monopólio, a corrupção que nos envergonha e empobrece está presente em quase todas as nações, quanto ao futebol, evidencias dolorosas nas últimas Copas do Mundo provam que não somos mais tão campeões.
A importância maior talvez resida na busca de algo, positivo e nem tanto, que nos defina, com qualidades e defeitos habitamos o mesmo imenso território, falamos uma língua comum enriquecida por idiomas originários e suas características, e dividimos com a espécie humana as mesmas necessidades básicas e busca de felicidade.
Parece certo que cultura reflete aquilo que, diariamente nas representações simbólicas em torno de nossas tradições, atua como uma espécie de consciência coletiva que nos adere uns aos outros e constrói a realidade de um país.
Inclui nossa educação, crenças, moral, costumes, legislação, hábitos, arte. Evidentemente alguns de nossos preceitos e preconceitos são compartilhados com o restante do planeta, somos hoje – mais do que nunca antes – uma “aldeia global”, e tudo de significativo que acontece em alguma parte do mundo é imediatamente compartilhado via redes sociais, via televisão e outras mídias.
Partilhamos bons e maus conceitos, e algumas tendências tornam-se planetárias, nem todas com boas consequências; e refletir sobre nossos comportamentos e crenças pode nos elucidar muito sobre as perspectivas futuras.
É fácil perceber que não fomos originais quando em terras brasileiras a “nobreza” foi assim designada quando pessoas, algumas vezes de péssimas intenções e caráter duvidoso, prestaram favores de toda sorte ao rei estrangeiro que acabara de aportar em nossas terras fugindo de outro rei estrangeiro que pretendia destrona-lo. Nossos sonhos burgueses de identificar nobreza ao bom comportamento moral e ideal a ser atingido confundiram-se inevitavelmente com a “sorte” e obtenção de dinheiro como requisitos de ascensão e proeminência social.
Não somos solidários e pensar no bem da comunidade, temos a tendência de agradar os poderosos, aqueles que podem nos providenciar títulos e honrarias.
Outro problema brasileiro foi logo em seguida assumir como heróis muitos capitães do mato assassinos e estupradores, como os bandeirantes que hoje nominam nossas estradas, ruas e praças, com estátuas em homenagem e um total esquecimento do passado, o que inclusive explica a ênfase que damos atualmente às narrativas, já que consideramos que nossos bandidos de estimação são excelentes, ruins mesmo são os bandidos do outro partido, cultivamos atrelados a cada cargo dezenas de assessores inúteis, a maior parte deles apenas como cabide de emprego para familiares e amigos, e praticando muitas “rachadinhas”.
Uma dessas narrativas é que devemos votar em quem “não é político”, o que justifica voto em pessoas completamente despreparadas para o exercício de uma função de interesse público, sem ideia de suas atribuições e algumas vezes vendo-a como simples forma de obter dinheiro (muito) que “não é de ninguém”, e portanto sem obrigação de prestar conta. E como sempre desdenhamos mulheres e seus papeis na constituição do país, fingimos que atendemos às cotas de mulheres candidatas como simples forma de desviar ainda mais dinheiro do fundo partidário – imenso e acintoso às milhares de pessoas no país que passam fome e não tem como qualificar-se a um emprego, seja ele formal ou até informal. Verdadeiramente, uma boa parte da população despreza mulheres e os gays como inferiores, embora normalmente sejam mais educados, tanto na acepção estrita (hoje suas presenças massivas nas escola mostra que costumam estudar um pouco mais), quanto na moral (são normalmente mais gentis e compreensivos).
Vemos assim hoje em nossa sociedade uma confluência do conservadorismo, fascismo e fundamentalismo, que toleram de bom grado as notícias bizarras com grande espaço nos veículos de comunicação e mídias virtuais. Desprezamos a possibilidade de melhorarmos nosso sistema educacional ao desvalorizarmos professores e considerarmos que esta não é uma área prioritária para investimentos, pagamos e pagaremos caro por este tipo de pensamento; desenvolvimento tem relação direta com qualidade de educação.
Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.