Poucos ditadores resistiram ao apelo de condenar obras literárias, impondo seus gostos, preconceitos e idiossincrasias ao restante da humanidade: livros e bibliotecas sempre provocaram a fúria de tiranos, candidatos a tiranos e psicopatas vários; começando pela Biblioteca de Alexandria, a maior da Antiguidade com um grande acervo de papiros e outros documentos, que foi destruída por um incêndio no final do século I a.C., atribuído a fanáticos de religiões diversas, políticos “nacionalistas” contrários a Júlio César e até a um suposto incendiário que desejaria obter fama com o ato absurdo.

O padre dominicano Girolamo Savonarola, na intenção de “purificar a fé” na Florença renascentista envolveu parte da população e promoveu as “fogueiras das vaidades” em que eram destruídos objetos de arte e artigos leigos e, claro, livros seculares ou que contrariavam a crença do religioso.

Até a criação da prensa móvel e universalização dos livros, estes eram manuscritos laboriosamente, muitos com grande beleza, antes ainda eram feitos registros em papiros e outros materiais. Os livros, embora universalizados, não estavam e ainda não estão a salvo dos esbirros da tirania; as grandes queimas de livros promovidas pelos nazistas dizem muito sobre quem eram essas pessoas.

Fahrenheit 451, livro de ficção científica publicado em 1953 por Ray Bradbury relata uma realidade de distopia, na qual bombeiros tem como função básica queimar livros, pois a ditatura vigente combate o pensamento crítico e autônomo de toda a sociedade. Esta repulsa ao conhecimento foi adaptada para o cinema pelo diretor François Truffaut em 1966, sendo considerada obra relevante na filmografia mundial porque seu tema permanece, infelizmente, atual.

Claude Lévi-Strauss, que lecionou Sociologia na então recém-fundada Universidade de São Paulo, considerado um dos grandes pensadores da história mundial, afirmava: “nada se parece mais com o pensamento mítico que a ideologia política”.
Ainda hoje há propostas de censura e retirada de currículos de livros que ofendem ou contrariam a visão de algumas supostas autoridades, e no entanto, com um processo educativo mais ao alcance de parte expressiva da população, a ideia de censura a determinados livros parece incompatível com o estágio civilizacional que alcançamos. Em princípio, mesmo os ainda jovens tem senso crítico para o que serve ou não, algumas realidades precisam ser conhecidas, e principalmente discutidas com pais ou professores, em ambiente de respeito e autonomia; conversar sobre distintas formas de ver o mundo, diferentes classes sociais e vocabulários pode ser muito esclarecedor às personalidades em formação.

A verdade é que o contato com palavras de baixo calão e situações de confronto existencial serão, salvos raríssimas exceções, vivenciadas pela juventude, e nenhuma escola ou familiar poderá isentá-los disso, ter conhecido o contexto numa situação controlada e de análise intelectual fará muita – ou toda – a diferença na forma de reação a estes acontecimentos.

Quem melhor que as pessoas de sua confiança e respeito intelectual para trocar ideias sobre o que é desigual, ou mesmo para entender conflitos que possam estar vendo ou vivendo sem nenhuma compreensão?

Gostemos ou não, a violência explode algumas vezes no ambiente familiar ou escolar, agressividades e más palavras extrapolam o cotidiano e deixam um rastro de desentendimentos de si e dos demais que podem prolongar-se perigosamente aos demais setores da vida; brigas domesticas interferem na instituição de ensino e vice-versa. Pressupor que algum ambiente possa estar completamente isento de manifestações agressivas é sonhar com um paraíso que parece distante da realidade humana, e mesmo o livro dos livros, a Bíblia, não nos demonstra isso. Entretanto, ao lado das violências e guerras, esse livro nos mostra um caminho, o do amor e compreensão para vencermos esta etapa que parece lamentavelmente fazer parte do processo de amadurecimento.

Proibir livros nunca demonstrou ser procedimento eficaz na busca por sabedoria. O consolo que resta é que tais ações serão registradas – em livros.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.