O Iluminismo, período compreendido entre 1685 e 1815 aproximadamente, também conhecido como Século das Luzes, foi um movimento intelectual e filosófico que dominou o mundo das ideias e propiciou em suas literaturas o aparecimento da preocupação com a educação feminina, embora na visão masculina, claro.

A inconsistência da educação feminina tinha por base, desde o século XVIII, as diferenças entre os modelos francês de obediência católica e o anglo-saxão da cultura protestante que já em finais de 1700 permitia que jovens não ficassem enclausuradas e escapassem com alguma frequência à vigilância dos pais, assumissem vida social com as amigas e eventualmente alguns jovens conhecidos seus  familiares.

Entretanto, apenas na segunda metade do século surge o preceito do livre-arbítrio, que as estimula aos julgamentos pessoais, a cuidar de si, estabelecer os limites, a conhecer um pouco das “coisas da vida”, antes considerados incompatíveis com a desejada inocência.

O princípio de separação dos sexos deixa de vigorar na cultura protestante, principalmente entre os norte-americanos, que optam pelo sistema de coeducação, na vida cotidiana e nos estabelecimentos de ensino. Familiares e educadores desejam que jovens prometidos em matrimônio tenham a possibilidade de se conhecer um pouco antes do noivado, como garantia de sucesso na futura união; e a fase de industrialização dos Estados Unidos que se dá a partir de 1870, suplanta o modelo educacional francês que temia a permissividade dos costumes, e faz surgir mais forte a ideia de casar-se com o escolhido do coração, e não com o escolhido pelos pais.

Feministas, salvo raríssimas exceções, não abordam o tema antes da Primeira Guerra Mundial, mas cada vez mais combate-se a estupidez da chamada “educação das meninas”, e a liberação sexual inicia-se nesta fase, no entanto apenas se impondo efetivamente a partir de 1930 – a história é recente.

A história das mulheres sempre foi majoritariamente contada pelos homens, os que sabiam ler e escrever com fluência e conhecimento do mundo: elas foram ignoradas, excluídas como objeto da história humana. Aliás esta disciplina científica só se estabelece depois do século XIX, antes o lugar das mulheres dependia daquilo que delas representavam os homens, únicos historiadores.

As diferenças, singularidades, pluralidades do gênero feminino é que permitem compreender a história geral, normalmente relações de poder entre povos e gêneros.

Os dois modelos de comportamento antes cantados em prosa e verso: a mãe, a esposa dedicada, e seu exato oposto, a mulher livre, erotizada e debochada, que fez o homem perder o paraíso, vai perdendo seu discurso histórico e social.

As regras costumam ter exceções, algumas honrosas. O romance gótico que inspirou o texto de Tony McNamara, roteirista do filme “Pobres Criaturas”, é de autoria da escritora britânica Mary Shelley, filha de um filósofo e de uma feminista do início do século dezenove – sim, elas existiam – Frankenstein, ou o Prometeu Moderno é de 1818 e ainda faz pensar e assusta; o mito da ressurreição não nos abandona, mesmo que de um ser composto dos “restos” de outros. Bella Baxter, a protagonista do filme tem corpo adulto com o cérebro de recém nascida, por artes do doutor Baxter, o amadurecimento mental é rápido e chega ao sexual com o conhecimento do próprio corpo e possibilidades. Ela não tem nenhum freio físico ou moral, pois isso não lhe foi ensinado ou imposto, e claro que seu comportamento choca a sociedade vitoriana, mas chocaria qualquer sociedade, não tanto pelo que faz mas pela absoluta liberdade com que o faz.

Bella assusta e magnetiza os homens pela sua ausência de freios  e restrições morais, mas o faz com a inocência daqueles que não conhecem as regras sociais; seu comportamento horroriza e atrai na mesma proporção, sua sedução é a mesma de todas as mulheres  realmente libertas e donas de si mesmas.

Afinal, liberdade é, necessariamente, liberdade de escolha, a liberação feminina apenas se concretizou de fato quando os anticoncepcionais proporcionaram às mulheres o direito de decidir quando, e se, teriam filhos, vivendo amplamente sua vida sexual.

No entanto, ainda hoje isso não é acessível a todas as mulheres, mesmo àquelas que vivem em países não ditatoriais e teocráticos; infelizmente, razões culturais, religiosas e de falta de informação impedem que esta liberdade seja mais amplamente exercida e, apesar da Educação Sexual ministrada nas escolas dever esclarecer a questão e os Postos de Saúde distribuírem gratuitamente anticoncepcionais, a gravidez de meninas pré-adolescentes, com poucas ou mínimas condições de proporcionar uma boa criação aos filhos ou mesmo assumir uma vida plena do ponto de vista emocional e físico, revela dimensões alarmantes em países menos desenvolvidos.   

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.