As boas intenções de melhoria pessoal costumam ser agendadas para uma genérica “segunda feira”. Não é usual a estreia de um regime alimentar, a prática de exercícios, a contenção no consumo de álcool, o abandono do tabagismo, o início ou reinício de estudos, e tantas outras medidas necessárias porém “dolorosas” serem realizadas no meio ou final da semana, deixá-las para segunda feira parece ser a norma.

A Quarta-Feira de Cinzas seria o marco para esse começo, seguida aos supostos excessos do Carnaval e no princípio da Quaresma, tempo de abstinência e moderação. Mas de hábito o final desta semana é dedicado ainda ao Carnaval, com permanência em lugares de veraneio e acompanhamento do resultado dos desfiles de escolas de samba.

Vale então como “segunda feira” a própria segunda feira da semana após a do Carnaval e, segundo uma discutível sabedoria popular, é quando o ano de trabalho realmente se inicia, exceto para a grande parte das pessoas que já está trabalhando desde a festa de Réveillon.

Certamente uma das palavras mais feias de nosso idioma, das que não são palavrões, é “procrastinação”, o adiamento de ações geralmente sem motivo concreto, talvez medo ou preguiça mas também por razões mais sérias, trazendo ao procrastinador sentimento de culpa, e até vergonha. E adia-se, procrastina-se, com frequência alarmante a concretização de atos que poderiam não apenas melhorar a autoestima, mas talvez até mesmo salvar a vida das pessoas, como determinados exames ou procedimento médicos em situações de doenças. Talvez agora seja a hora de fazer valer esta segunda feira, nas atividades da quaresma de reflexão e abstinência de certos alimentos ou bebidas, em consonância com as recomendações de praticamente todas as grandes religiões quanto a determinados períodos, como o Ramadã do Islamismo, os jejuns rituais do Judaísmo e do Budismo e muitas outras.

Várias correntes filosóficas sempre estimaram a virtude e o autocontrole, uma delas é o Estoicismo criado na Grécia no século IV a.C. que valorizava o conhecimento e tudo que a própria pessoa podia controlar vencendo as paixões e desejos extremos, inclusive as autoindulgências com alimentação; a importância desta escola tornou-se quase universal, dela nascendo o termo “estoico” para designar certa impassibilidade frente a prazeres e sofrimento. 

O jejum preconizado na Quaresma era radical nos termos do tempo antigo, proibia-se o consumo de carne vermelha, algo associado à proibição de derramar sangue, apenas peixes e verduras eram permitidos, em sociedades de pescadores nas quais pescados eram alimentação trivial. Atualmente os hábitos foram flexibilizados, mesmo entre os fiéis, e não parece fazer sentido chamar de sacrifício comer belas bacalhoadas ou moquecas de camarão, entre os que podem se dar este luxo.

A maioria da população que desejava “jejuar” e não tinha acesso aos alimentos recomendados foi entendida por um Papa compassivo que autorizou a quebra da rigidez: “se tiverem alimento, comam”, deixando claro que a questão não é o ritual, é a fome que atormenta parte da humanidade.

Nos “templos” laicos de nossa época, os centros de estética e academias de musculação, as recomendações aos clientes que procuram a beleza e o bem estar seguem as mesmas regras milenares: disciplina, contenção, alimentação saudável. Embora isso nem sempre seja seguido à risca, com a busca de atalhos como cirurgias corretivas, drogas anabolizantes e outros venenos, com resultados fugazes e perigosos à saúde.

Se há regras para tentar viver muito e bem, elas são conhecidas há séculos, e não se aplicam apenas aos praticantes de determinadas religiões ou filosofias, escolas levam a sério as instruções de bem viver, pois aprendizagem exige saúde antes de mais nada.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.