Um verso de “As Caravanas” de Chico Buarque ilumina muito do que praticamente todos nós vivemos, e até pensamos: “…tem que bater, tem que matar,  em grossa a gritaria” mas a gênese vem a seguir: “Filha do medo, a raiva é mãe da covardia…”

Quando acontecem episódios, cada vez mais frequentes, de brutalidade aparentemente gratuita e que envolvem pessoas totalmente desvinculadas disto, nossa revolta e terror são maiores daqueles provocados por violência “justificada”, embora nada justifique violência. Por alguma forma de compensação psicológica conseguimos entender até mesmo o ladrão que mata a vítima, ainda que isso seja imperdoável, há uma lógica terrível nisso, mas lógica. Já os crimes sem motivo, contra pessoas totalmente indefesas como crianças, professores, funcionários, nos enchem de medo e raiva e de sua mãe, a covardia.

Queremos castigar os culpados, queremos que o código penal seja reformado para punir qualquer assassino a partir dos três anos de idade, queremos que os torturadores da ditadura militar sejam reabilitados, queremos penas de prisão perpétua sem remissão…

Até nossa humanidade e racionalidade são vítimas desses absurdos. Enquanto as temos, precisamos pensar no que pode causar esses descompassos na cabeça das pessoas, doenças mentais muito graves certamente, mas o gatilho é violência sofrida, sentimento de “não existência”, emulação de outros assassinos que supostamente tornaram-se celebridades. Os grandes órgãos de imprensa decidiram, finalmente, não dar espaço a essas pessoas e seus atos, apenas relatar as barbaridades sem estabelecer relação alguma de autoria.

Infelizmente, aparentemente nossas crianças e jovens andam precisando de heróis, e a respeito disso falou Bertold Brecht entre suas frases mais famosas: “Infeliz do povo que precisa de heróis.”

Os heróis atualmente são extremamente agressivos, portam armas – pesadas de preferência – matam por motivos fúteis, são incensados nas redes sociais e multiplicam seus maus exemplos com bastante facilidade.

Desde sua “descoberta” pelos portugueses, no Brasil a violência esteve incorporada ao cotidiano dos homens livres, libertos e escravizados, apresentando-se como solução para os conflitos sociais e tensões nas interrelações. Respostas violentas sempre foram um modelo válido de conduta, vistas como legítimas e até necessárias, numa sociedade de moldes feudais, e mesmo após um relativo advento civilizacional nos últimos anos do século XIX e depois do início da forma republicana de governo, em que teoricamente passam a existir instituições políticas modernas e capazes de conduzir o país de forma adequada para coibir a violência, é fácil ver que discursos e realidades não estão exatamente sintonizados.

A brutalidade em suas múltiplas formas de manifestação permaneceu enraizada e positivamente valorizada, na solução de conflitos decorrentes das diferenças de gênero, de propriedade, étnicas, de poder, de privilégio, de prestígio.

Assim, o país está passando por uma epidemia de ataques às instituições escolares. Em que pese normas de proteção e cuidados especiais de crianças e adolescentes, o homicídio é a sua principal causa de morte. Segundo fontes oficiais, entre 1980 e 2014, 218.580 crianças e adolescentes foram assassinados no Brasil, sendo o terceiro em assassinato de crianças e jovens no mundo, precedido somente por México e El Salvador. E lamentavelmente, multiplicamos agora a violência nas escolas, em que muitas vezes jovens matam jovens – e até crianças.

A coleta de dados de homicídios é complicada em todos os países, mas isso ocorre em particular por aqui, pois é considerada politicamente sensível, um tabu social, e sofre frequentes ataques de associações voltadas ao armamento da população, influência direta de fabricantes de armas.

Um dos castigos que os gregos antigos impunham a quem ameaçava o Estado era o Ostracismo, exílio de dez anos até mesmo da memória pessoal, em que o nome do castigado era escrito em casca de ostras e atirado ao mar. Talvez devêssemos obliterar até a ideia da existência desses criminosos, esquece-los não apenas por dez anos, mas para sempre.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.