O psicanalista Christian Dunker, professor da Universidade de São Paulo, faz análise de um processo mental que denomina lógica do condomínio, forma com que tentamos nos proteger dos perigos da vida moderna, com regulamentos, síndicos, gestores e muros; e nos alerta que sonhos de condomínio fechado produzem monstros.

A normalidade nas relações humanas é confronto e litígio. As visões edulcoradas de um passado em que o bom selvagem de Rousseau convivia em paz e harmonia com seus semelhantes e com a natureza não resistem a qualquer apreciação séria. Infelizmente os recursos sempre foram inferiores à demanda, e as disputas por alimento, terra, água e poder tingiram de sangue nossa pré-história e nossa história.

Entre os animais, peixes, insetos e até entre as plantas, não é diferente. Cada espécie luta como pode para viver, matando e evitando ser morto, sufocando o outro na sua procura por mais luz e espaço.

O que permitiu a sobrevivência e prevalência das sociedades e das nações foi o que pode ser chamado Contrato Social, que teve seu início quando grupamentos familiares ou tribais estabeleceram as primeiras maneiras de conviver com menor violência, dentro de regras mais ou menos definidas. O princípio de talião, olho por olho, dente por dente, que pode nos parecer bárbaro, expressa uma das primeiras leis escritas sobre a limitação à punição por crimes: a pena deve ser proporcional à ofensa e não ao desejo de vingança do ofendido. E desde quase quatro mil anos foram criados estatutos morais e de costumes, leis religiosas, éticas; as ordenações do Direito Romano até nossos princípios jurídicos atuais.

Cabe ao Estado a prerrogativa de assegurar o cumprimento das leis que garantam o convívio razoavelmente harmônico entre as pessoas, e que quase podem ser sintetizadas em: não matar, não roubar, não prestar falso testemunho…
Infelizmente, o Estado não tem sido eficiente neste dever, e o sentimento dos cidadãos é de medo da violência e da criminalidade, até mesmo do próprio Estado. Torna-se comum o insulamento, a busca pelo espaço ordenado e seguro, e limitado a poucos.

O contato cada vez mais próximo entre pessoas e interesses, fruto do aumento da população e de seu quase confinamento em habitações e ruas aparentemente insuficientes para todos, exacerba seu caráter competitivo e os conflitos são inevitáveis. O grande número de litígios judiciais daí decorrente, até mesmo em causas de importância restrita, ameaça congestionar irremediavelmente os tribunais; pelo que são comuns as soluções buscadas pelo processo de Mediação. Nesta via, conflitos que não se caracterizem como de esfera criminal são discutidos voluntariamente pelas partes na presença de um mediador especializado, que procurará auxiliar na busca de um acordo extrajudicial.

No ambiente escolar não é diferente. Superada a etapa da pedagogia de chinelada, as instituições escolares de todos os níveis vivem clima de mais liberdade e menos autoritarismo nas relações entre professores e alunos. Isso é positivo, e reflete a evolução ocorrida na própria sociedade e nas famílias, porém, como é um processo iniciado há pouco, ainda não se estabeleceram os limites necessários para assegurar a convivência pacífica entre todos. São comuns os lamentáveis casos de agressões entre alunos, e até entre alunos e professores, geralmente por razões menos graves que consideradas pelos implicados.

O recurso da Mediação, com participação dos envolvidos, coordenação pedagógica, eventualmente dos pais de alunos, mediante orientação de pessoas de bom senso, apaziguadoras, com capacidade de ouvir e de tomar decisões em situações de tensão, tem produzido resultados extraordinários. E com a vantagem adicional de não envolver a comunidade externa, mantendo quando possível o problema e sua solução afetos exclusivamente à escola, em respeito inclusive à sua indispensável autonomia.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.