A protetora do Santa Quitéria

Vou contar um pouquinho na série “As Protetoras” sobre a atuação de protetoras independentes de Curitiba e Região Metropolitana. Como não poderia deixar de ser vou começar por quem está mais perto de mim. Uma colega de profissão. Maigue Gueths tem em sua casa seis cães que fazem parte da família, um filhote, o Zézinho, e Branquinha, que aguardam adoção. Ela conta um pouco sobre a sua rotina com os cães resgatados, sobre a adoção dos animais e levanta uma questão importante. A falta de políticas públicas voltadas à proteção animal. Curitiba está longe de ser referência nesta área.

Curitiba é vista como exemplo de cidade em muitas áreas, entre elas transporte público, coleta seletiva de lixo. Podemos nos orgulhar da cidade em relação às ações relativas à proteção animal?

Nem um pouco. Se Curitiba tivesse uma política bacana para os animais não teríamos tanto protetor esgotado por aí. A Prefeitura de Curitiba criou uma Rede de Proteção Animal, mas não presta nenhum atendimento a eles. No papel a Rede é maravilhosa, mas na prática sua única preocupação é colocar chip nos animais, como se a identificação fosse “um milagre” que faria seus donos mais responsáveis.

A Prefeitura deveria prestar vários serviços nessa área: campanha eficiente, massiva e constante de conscientização da população sobre a posse responsável; campanha gratuita, constante e massiva de castração, principalmente para a população de baixa renda; e manter um hospital veterinário gratuito para atender animais que estão nas ruas, atropelados e atender os animais da população de baixa renda, que não tem onde levar seus animais quando estes precisam de veterinário.

A Prefeitura não atende estas necessidades e ainda repassa toda a demanda que existe na cidade para as ONGs. E é importante frisar, aqui, que nenhuma ONG de defesa dos animais recebe dinheiro público. Todas elas vivem apenas de doações e do trabalho de voluntários. A Prefeitura não dá um centavo.

Já que estamos às vésperas de eleições municipais, o que deveria contemplar o programa de governo municipal em relação aos animais?

A Constituição diz que os animais são tutela do Estado. Portanto, os municípios, estados, o país têm obrigação de prever recursos financeiros para atender as demandas da população animal. Assim, um programa de governo de Curitiba deveria prever recursos para implantar campanhas de educação da população, programa de castração gratuita e irrestrito,  atendimento veterinário a quem precisa, fiscalização rigorosíssima do comércio de animais, fim do uso de carroças com cavalos na cidade. Com certeza há mais ações, mas se um candidato a prefeito se dispusesse a colocar estas medidas em prática já seria um passo gigantesco para a luta em defesa dos animais.

O que é ser um protetor independente?

É ter compaixão pelos animais. Somos dezenas ou centenas de pessoas que não fazem parte de nenhuma ONG de proteção, mas temos consciência de que se não ajudarmos um filhote abandonado ou um adulto machucado, doente ou atropelado, ele não terá como sobreviver sozinho. Os animais dependem de nós para receber atendimento e, infelizmente, o poder público, que deveria atendê-los, não tem nenhum serviço nesse sentido.

Desde quando e por que se dedica à causa animal?

Sempre gostei e tive animais, desde criança, mas normalmente tinha apenas um cachorro em casa, normalmente de raça. Isso até o carnaval de 2004. Nesta época, minha Cocker Lula, então com 14 anos, ceguinha e surda, estava mal de saúde e eu sabia que não teria muito tempo de vida. Foi aí que uma filhotinha malhada, parecida com uma vaquinha branca e preta, de uns dois meses, apareceu na frente da minha casa. Assustada com umas crianças que queriam pegá-la, ela correu para baixo de um carro estacionado, na mesma hora eu fui lá e a peguei. Esta é a Teca que hoje tem oito anos. Quase um ano depois, quando eu viajava para passar o Ano Novo na Ilha do Mel, parei em uma barraca de artesanato na Serra da Graciosa e ali estavam três filhotes, também com uns dois meses, abandonados. O artesão ficou com o machinho e eu e outro turista ficamos cada um com uma fêmea. Minha Kiwi, hoje, tem sete anos.

Em agosto de 2008, a Biba apareceu na frente do meu trabalho, tomada de sarna, a pele era uma ferida só. A Claudia Palaci, que também é jornalista e trabalhava comigo, que a viu na rua. Nós a pegamos, levamos no veterinário, e ela ficou na minha casa, primeiro de quarentena, sem contato com os meus para não transmitir a sarna.  Acho que a Biba foi o marco que me levou a me engajar nesta causa. A partir daí, junto com um grupo de amigos, resolvemos fazer um Fundo, onde cada um contribuiria com uma quantia mensal, para dar conta das despesas com os que seriam resgatados. Eu, que moro em casa, cuidaria deles. A Biba, hoje, calculo que tenha quatro anos.

Depois ainda foram agregados à família o Lobinho, velhinho que também apareceu na frente do jornal machucado, e não conseguiu adotante; a Lola – que peguei filhotinha de uma amiga cujos cães tinham dado uma cria; e a Branca, mãe de uma ninhada que peguei na Cidade Industrial de Curitiba, um dia após nascerem. Estes ficaram comigo. Além deles, já resgatamos outros 32, entre adultos e filhotes, e que foram todos adotados.

O que você faz quando recolhe um animal na rua? Geralmente, qual o estado deles?

Quando pego o animal a primeira coisa que faço é levar na minha veterinária para consulta e tratamento. Depois ele toma banho, é desverminado, toma vacinas e é castrado. Até os filhotes a partir de dois meses já são castrados.  Aprendi que é melhor eu mesma providenciar as castrações antes da adoção, porque cansei de ficar correndo atrás de adotante que, apesar de assumir o compromisso de castrar, demorava demais para fazer.

Geralmente só resgato animais que precisam de ajuda para sobreviver, são filhotes, que não sabem se virar sozinhos e adultos que estão doentes ou atropelados. O Juquinha, por exemplo, estava com pneumonia. A Fifi foi pega com quatro filhotinhos, todos cobertos de sarna e magérrimos, num lixão no Boqueirão. Infelizmente três filhotes morreram com cinomose, mas ela e uma filhote, a Kiki, sobreviveram e foram adotadas. A Fifi hoje é Mafalda e está muito bem paparicada e amada pela Sandra, que depois de adotá-la acabou entrando para o Fundo também.

A adoção costuma demorar? Quais os critérios para adotar um animal que está sob os seus cuidados?

Adultos demoram mais para serem adotados, assim como os pretinhos. É incrível, mas as pessoas são racistas também na hora de escolher um cachorrinho. Mas nós, protetores, somos bem chatos na hora de escolher um adotante. Procuramos pessoas que saibam que o bichinho será um membro da família. A pessoa tem que amar animais, ter espaço, não deixar preso em corrente ou canil, ter casa segura sem risco de fuga, ter condições de arcar com gastos veterinários, precisa estar ciente de que o animal pode viver até 20 anos e não pode ser abandonado. Eu vou sempre na casa do adotante para verificar onde o animal vai morar e vou visitar algumas vezes para ter certeza de que ele está feliz. Não vou tirar um animal da rua para entrega-lo a alguém que não cuide bem.

 É comum os adotantes devolverem os cães adotados?

Se as pessoas devolvem até crianças que são adotadas, imagine com cachorros ou gatos. É bastante comum, e as desculpas são as mais absurdas; o bichinho cresceu, fez buraco no jardim, os filhos pequenos estão com medo… e por aí vai. Mas também é comum o protetor pegar o animal de volta, porque não gostou das condições em que ele está na casa do adotante. Eu mesma, em dezembro do ano passado peguei de volta uma cachorrinha que tinha sido adotada em janeiro, porque a adotante ainda não tinha feito a castração e insistia em mantê-la o dia todo em um canil. Ela foi adotada em seguida pelo meu ex-professor de inglês, com quem vive solta e já foi até para a praia várias vezes.

Seu coração é igual ao de mãe, sempre cabe mais um? Existe um número limite de cães para você cuidar em casa?

Meu limite são os seis atuais. O coração fica apertado, angustiado, mas minha filosofia é a seguinte: só pego outro cachorro ou outra ninhada depois que consigo doar os últimos resgatados. Estes tempos fiquei cinco meses com o Bene, um filhotão fofo, e não peguei nenhum enquanto ele não foi adotado. 

Infelizmente não dá para pegar todos, tenho que limitar, para não correr o risco de ficar com muitos cães em casa, e não teria tempo nem dinheiro para cuidar de todos com qualidade de vida. Para os protetores, é difícil respeitar este limite, porque em geral são pessoas de coração muito grande, que não aguentam ver um animal sofrendo na rua.  Acho que sou uma exceção entre os protetores, a maioria tem dificuldades financeiras, prefere abrir mão das necessidades deles para comprar ração para o animal.