Platão, nascido por volta de 400 anos antes de Cristo, foi um dos mais importantes filósofos da Grécia Antiga, e os escritos que deixou refletem basicamente sobre uma distinção entre conhecimento sensível, inferior e enganoso, obtido pelos sentidos do corpo, e o conhecimento racional, superior e ideal, que acessaria a verdade sobre as coisas.
A dicotomia entre corpo e mente sempre intrigou filósofos ao longo da história humana: o conhecimento racional seria o que permite o acesso ao ser e à essência de algo, ao contrário da aparência, sempre muito enganosa, embora parte da realidade material.
Em tempos de muitas Fake News disseminadas em praticamente todas as mídias, sabemos que aquilo que a OMS (Organização Mundial da Saúde) define como “infodemia”, quantidade excessiva de informações inseguras sobre um determinado problema, em especial associadas às buscas reativas em tempos de grandes medos, pode dificultar os caminhos para as soluções ao criar tumultos e desconfiança entre leigos.
Apesar de grande parte das buscas na Internet versarem sobre temas ligados à proteção e preservação da saúde, em que as pessoas buscam informações práticas, fundamentadas em evidências e aplicáveis a curto prazo, normalmente suas preocupações estão ligadas a medos ou comprovação de crenças herdadas em família ou pelo senso comum, sem comprovação científica.
Este é um perigo, pois nestes casos as pessoas costumam buscar mais a confirmação de seus conceitos prévios que a verdade, e tem sido fácil encontrar produção e ágil difusão de desinformação, embora responsáveis pela biossegurança pública usem de transparência e disponibilizam o máximo de informações possíveis, utilizando os mais variados recursos comunicativos interpessoais pela via das mensagens em redes virtuais: WhatsApp, Twitter, Instagram etc., ampliando o alcance das informações.
No entanto, temos verificado que notícias falsas são difundidas mais rapidamente; e embora o Mundo das Ideias ou das Formas, que seria, segundo Platão, a realidade intelectual, verdadeira, eterna e imutável, acessada pela capacidade racional do ser humano, parece sempre perder para a realidade percebida em nosso meio mais próximo, sujeito a todos os preconceitos e ilusões que vivenciamos. Este filósofo, aliás, já constatava que as aparências enganam; e é efetivamente difícil lidar com o temor dos destinos ameaçadores à nossa frente e a insegurança do desconhecido com suas causas incompreensíveis, o desejo de evitar qualquer mudança, talvez até de retroceder a um passado idealizado e perfeito se torna imperativo.
A degeneração decorrente dessas falsas informações poderia evidentemente ser paralisada pela vontade moral e pela força da razão humana, mas as coisas comuns mutáveis, as sensíveis, predominam, e raras vezes em suas formas mais virtuosas.
O conhecimento racional, baseado no pensamento puro, e a opinião baseada nas experiências particulares normalmente são distintos, e por isso falamos de uma época de “sono da razão” que contempla os discursos político xenofóbicos ou intolerantes em geral, em relação às mulheres, pessoas de religiões distintas, e todos aqueles que pertencem às minorias.
O sensacionalismo explorador das mais baixas emoções humanas, com o intuito de ampliar a audiência e obter mais lucro, contribui para a ampliação social do risco de perigos futuros, o que torna as pessoas cada vez mais conservadoras.
Num exagero evidente, poderíamos decretar “felizes os que conseguem manter seu autoengano”; o que soa deletério e parece valorizar a mentira, referimo-nos aos enganos mais inócuos, que não vêm em prejuízo real da vida de quem os comete e partilha, não há nenhum benefício em manter mágoas ou culpas acerca de fatos dos quais já perdemos totalmente o controle no tempo, e que não possuem mais nenhum potencial pedagógico.
No entanto, negacionismos podem prejudicar a muitos, intolerâncias podem matar; educar-se formalmente em escolas ou informalmente em leituras, conversas e boas atividades culturais pode despertar o mais racional e correto em nós.
Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.