Todos nós desejamos a igualdade, mas também a singularidade, ou seja, direitos que nos aproximem da humanidade em termos de moradia, alimentação, educação, felicidade, trabalho digno – porém queremos ao mesmo tempo ser únicos, melhores, mais inteligentes, as vezes até mais ricos. Toda estabilidade de nossa vida parece advir da própria mudança, o desejo de estar na moda não prescinde daquele de lançar moda, e assim, nos artifícios dos espaços públicos e privados, muitas vezes não distinguimos realidade de fantasia, o que em tempos de Fake News se agrava cada vez mais. É famosa a proposta de um grande pensador de que, quando acabamos um determinado desenho, se sobre ele derrubarmos tinta, quanto mais tentarmos limpar a tinta que o recobre, mais se apagará o desenho que havia ali, sobrando apenas o borrão. Limpar a aparência das coisas, é exatamente análogo, nos faz perder a própria realidade; nas palavras do poeta: “O único sentido íntimo das coisas é elas não terem sentido íntimo nenhum”. No entanto, a espera de um sentido último da vida, mais relevante que a mera aparência do real, somos impelidos a continuar tentando retirar a tinta à frente de todos os desenhos, enquanto consumimos como se esta atividade fosse a prática efetiva de todos os direitos na sociedade ocidental contemporânea. Evidentemente consumir é inerente à vida de todos nós, demandamos alimentação, vestuário, conforto térmico, entre itens acrescentados contemporaneamente, como internet, computador, lazer e muitos outros com os quais a raça humana não sonhava até alguns pouco anos atrás, mas que hoje fazem parte de nossas exigências aparentemente “mínimas”.
Consumo e consumismo são conceitos distintos, já que consumir é indispensável a todos, enquanto consumismo certamente constitui uma patologia, uma perturbação mental associada ao desejo desenfreado de adquirir compulsivamente coisas que não necessitamos; e isso foi bastante auxiliado no mundo todo após a chamada Revolução Industrial, que mudou a relação entre o ser humano e suas necessidades materiais. Afinal, foi este processo que levou à substituição da energia humana pela motriz, potencializando o processo produtivo, tanto em alimentação quanto em outros itens essenciais à vida, e causando a concentração populacional em cidades. O fenômeno, ampliado em grande parte pela expansão do comércio internacional entre os séculos XVI e XVII permitiu a acumulação de capital que financiou um progresso técnico e inovações nunca antes experimentado, ao mesmo tempo trouxe convulsões sociais e uma divisão do mundo entre nações desenvolvidas e em desenvolvimento que persistem até os dias atuais. No entanto, independe de estarmos num país desenvolvido ou não, influenciados pelas mídias, somos bombardeados com estímulos ao consumo; marketing das empresas e mensagens publicitárias tem como objetivo que compremos cada vez mais, até com a boa intenção de manter a economia ativa, porém produzindo excessos profundamente maléficos ao planeta, prejudicando futuras gerações. Estamos consumindo recursos essenciais à vida numa rapidez perigosa, e instituindo a cultura do egoísmo e da ostentação. Mais que consumir bens, desejamos consumir um estilo de vida, o daqueles que são nossos ídolos esportivos, musicais ou apenas celebridades. Envoltos neste desejo por mais e mais brilho, vivemos um eterno presente, e o futuro não ocupa muito de nosso pensamento. O mundo que deixaremos aos nossos jovens parece inesgotável, e deverá resolver seus próprios problemas. Deixamos, portanto, de investir em escolas, seus laboratórios, suas bibliotecas, seu esporte, para desviar dinheiro até de merendas, deixando milhares de crianças no abandono e ignorância, pois não acreditamos no futuro, apenas no agora e no nosso benefício pessoal. A má notícia é que elas crescerão cada vez mais violentas e famintas de todo o esplendor dos luxos pessoais, e roubarão não apenas nossos tênis e celulares, mas até inclusive as nossas vidas. Educar estas crianças, garantindo um futuro melhor para o planeta e nós mesmos seria mais prudente, a realidade de amanhã será consequência daquela de hoje.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.