A guerra é evento presente em praticamente toda a História, e antes dela começar. Explosão de ódios, disputas de territórios e bens materiais, busca de poder, diferenças religiosas: tida como “a continuação da diplomacia por outros meios”, a guerra é sempre trágica e suas maiores vítimas são os inocentes e vulneráveis. Na Idade Média as disputas entre senhores feudais tinham uma espécie de acordo: matavam-se preferencialmente os plebeus, preservando os aristocratas para obtenção de resgates; ao ser derrotado, o conde, duque, o que fosse, depunha as armas e tornava-se prisioneiro-hóspede do vencedor até que sua família reunisse o valor de sua libertação. Não é de admirar que as guerras fossem romantizadas e até procuradas como forma de resolver problemas financeiros e debelar o tédio, a população que seria a maior sacrificada não sabia ler ou escrever e portanto não participava das histórias de cavalaria. 

Guerras costumam interromper as atividades educacionais, impedindo o acesso dos mais jovens  ao conhecimento, às brincadeiras, ao amadurecimento e principalmente à confiança no futuro. Promovem um retrocesso nas pesquisas que não sejam voltadas especificamente aos processos de fabricação de armas ou espionagem, aos melhores métodos de matança generalizada e de algumas torturas mais eficientes, sejam elas físicas ou psicológicas.

Crianças e jovens perdem toda a referência de inter-relacionamentos, indispensáveis na construção saudável de suas personalidades; perdem um tempo precioso na fase em que mais evoluímos cognitivamente, sofrem prematuramente com perda de pessoas, de patrimônio pessoal e cultural, de seus animais prediletos, dos passeios com familiares, muitas vezes são machucadas, enfrentam longos período de dores e veem seu mundo ser destruído.

Uma das grandes obras da literatura mundial, Paraíso Perdido, poema épico do século XVII, escrito por John Milton e publicado em 1667, descreve como, após serem expulsos do Paraíso, os anjos planejam sua vingança no próprio Inferno, decididos, já que não podem desafiar diretamente o céu, atacar a criação divina: o homem, já que “mais vale reinar no Inferno do que servir no Céu.”

De certa forma já destacava como raízes das guerras o orgulho e a petulância, e preconizava que os homens devem olhar para o homem a fim de compreender os acontecimentos políticos e sociais, pois a humanidade forja a sociedade à sua imagem e semelhança, ao mesmo tempo em que é forjada por ela.

Combates acontecem frequentemente porque o comportamento do ser humano muitas vezes é reflexo de sua paixão animal, e menos do que seria desejável de sua razão humana, mesmo que na sua condição natural, não seja bom nem mau. Ambição, ganância, venda de sua alma por um quilo de ouro, desejo de poder, degrada a parte boa do caráter e corrompe nossas ações.

A sociedade pode então degenerar a vida de todos, mas ao mesmo tempo funciona como instrumento moralizador, e costuma ser indissociável da organização política. Povos corrompidos elegem corruptos, e cedem ao canto da sereia de fabricantes de armas, pois este tipo de produção implica também na criação de inimigos, armamentos e opositores não subsistem a não ser em dupla. Ademais, um mau governo contamina todos os seus dirigidos, que também se tornam maus, violentos, ignorantes, racistas, xenófobos, misóginos, homofóbicos, pois precisam se apoiar na falsa prevalência dos valores familiares para ocultar suas faltas de cultura. Apoiar-se na sua religião, desprezando e agredindo todas as demais funciona como alavanca para conflitos e violências, para mais e mais batalhas.

Talvez, desta forma, imaginem recuperar sua autoestima – são puros na ideologia das armas, do massacre, da intolerância – e o respeito social. De seus iguais, evidentemente.

Até no clássico A arte da Guerra, escrito por Sun Tzu quatrocentos anos de Cristo, e hoje considerado um manual para gerir negócios no competitivo mundo empresarial, o princípio filosófico fica expresso já na página inicial: “A guerra é uma questão vital para o Estado. Torna-se de suma importância estudá-la com muito cuidado em todos os seus detalhes.” Ou seja, agressões, batalhas e luta armada não são exceções e sim acontecimentos necessários e conscientes, suscetíveis de análise e que se repetem periodicamente.

Todo conflito, lamentavelmente, não destrói apenas a economia dos países nela envolvidos, mas também a de uma série de outros que com eles comerciavam, compartilhavam destinos turísticos ou bens culturais. No entanto, a eliminação da infância é um fato muito mais cruel e perigoso.

O Primeiro Ministro da França no tempo da Primeira Guerra Mundial declarou: “A guerra é uma coisa demasiado grave para ser deixada aos generais”. Na verdade é séria demais pelas consequências terríveis que sempre traz, e a interrupção do processo educacional um dos seus piores efeitos.

 

 

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.