Uma dificuldade relatada por professores, coordenadores e diretores escolares no recente retorno às aulas presenciais é certa perda do envolvimento do estudante com a instituição escolar, pelo tempo de ausência e também pelas muitas complexidades familiares trazidas pela pandemia.

Sem adesão pessoal o trabalho escolar torna-se moroso e pouco eficiente, pois o envolvimento com a escola acontece e três dimensões distintas, todas igualmente importantes: a cognitiva, a afetiva e a comportamental.

Do ponto de vista da cognição, trata-se do investimento do aluno no seu próprio conhecimento, da importância que atribui ao processo para conquistar um bom futuro, garantir seu lugar na comunidade, obter respeitabilidade e, evidentemente, condições financeiras para o suporte de sua família. Aprender nem sempre é rápido, é necessário esforço, perder algum tempo de lazer, suportar a frustação de achar que sabia mas verificar que não.

Afetivamente, o estudante pode, ou não, identificar-se com a escola, seus valores, professores, colegas de classe, ter orgulho de sua imagem na região em que mora, sentir-se aceito dentro dela e passar um tempo prazeroso no período em que lá permanece. Gostar de estar nela é grande auxiliar do processo cognitivo que ali ocorrerá, participar de suas atividades de aprendizagem ou lúdicas, essencial para conter a evasão, grande mal brasileiro. Normalmente, o núcleo familiar mais próximo costuma ser responsável pelo despertar do sentimento de vencer situações difíceis, dedicar-se ao desenvolvimento intelectual ativo e no esforço pessoal como modo de “vencer na vida”. Sem que haja a valorização da escola por aqueles que são importantes para a criança ou jovem, será árdua e vazia de significado a tarefa de aprender.

Do ponto de vista comportamental o aluno reflete também muito de seu entorno e realidade material do local onde vive e estuda: se a escola é periférica ou central a cada cidade, se as instalações são adequadas às suas finalidades, se ela está conservada ou depredada, tudo afetará seu comportamento dentro da unidade. Regiões de tráfico e violência costumam produzir alunos receosos ou agressivos, dois extremos complicados no trato com professores; e a interação dos jovens com as normas da instituição e o convívio com figuras de autoridade dependem muito da relevância da educação na sua vida, que igualmente determinam a postura e o vocabulário utilizado, principalmente durante os conflitos, e podem evitar o bullying, o assédio e demonstrar a extensão de sua resiliência.

Os três aspectos são interdependentes, mas costuma-se considerar que o cognitivo tem uma certa predominância da própria escola, da qualidade de seus docentes, estrutura de bibliotecas e laboratórios, formas de relacionamento adotadas, enquanto afetividade e comportamento são influenciados um pouco mais pela estrutura política e de governança de sua macrorregião: postos de saúde, bons equipamentos de lazer comunitário,  acesso a transportes facilitado, segurança e estrutura social organizada.

A volta à escola suscita a questão de a qual escola o aluno retornará, inicialmente em questões logísticas e materiais, com prédios razoavelmente conservados e equipamentos adequados à função escolar; condição já ultrapassada na maioria das escola privadas, mas absolutamente fora das expectativas da maior parte de nossos jovens, que não têm esse privilégio. No entanto, mais importante, depende da motivação de professores, coordenadores, diretores e demais funcionários da educação, do orgulho que possam sentir pelo “seu estudante” e atividade que exercem. 

Quando a autoridade máxima de sua profissão declara publicamente que ser professor está associado a não ter conseguido ser mais nada na vida, isso fica muito difícil.

 

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.