Franklin de Freitas – Professora Samara (PSTU): “Romper contratos privados”

A candidata do PSTU à prefeitura de Curitiba, professora Samara, defende que a prefeitura da Capital paranaense seja administrada diretamente por conselhos populares formados por trabalhadores e moradores da periferia. Ela acredita que quem consegue administrar uma casa ganhando baixos salários e enfrentando as dificuldades do dia a dia pode perfeitamente governar a cidade. 

Em entrevista ao Bem Paraná, ela defende ainda o fim da Urbs e a estatização da frota de ônibus do transporte coletivo, como forma de melhorar o serviço e baixar a tarifa. E propõe ainda a construção do metrô – ideia abandonada pelas últimas gestões e demais candidaturas – para dar conta da demanda por transporte.
Bem Paraná – Se hoje fosse 1º de janeiro de 2021, e a senhora tivesse sido eleita prefeita, qual seria a sua primeira medida?
Professora Samara – Minha primeira medida vai ser romper com as parcerias privadas da cidade que tiram milhões dos cofres públicos em favor do lucro dos grandes empresários que dominam a cidade. Acho que essa vai ser a primeira e mais importante de todas. Romper com essa lógica de dinheiro público indo para a iniciativa privada ao invés de, de fato, ser investido em serviços públicos que atendam a demanda da população.

BP – Isso implicaria, muito provavelmente, em demandas judiciais, como ocorreram na gestão Fruet em relação ao transporte coletivo. Como seria administrada essa questão jurídica?
Samara – Uma das coisas que a gente está propondo é mudar a forma de administrar a cidade. A gente está chamando, os trabalhadores, os moradores dos bairros periféricos, os estudantes a se organizarem através dos conselhos populares. Inclusive a Câmara Municipal ficaria submetida a esses conselhos. Esses conselhos populares em diversas regionais da cidade teriam melhor condições de administrar, de mexer em questões de licitação. Tudo poderia cair, inclusive, porque esses conselhos teriam poder de administrar a cidade.

BP – Seu plano de governo fala na extinção da Urbs. Por quê?
Samara – Porque hoje qual é o papel da Urbs, é uma coisa que a gente se pergunta bastante. Porque nós temos a frota de ônibus que é das empresas privadas. A gente tem a Urbs que é a administradora, e a gente vê que a população é quem mais sofre. Os horários de ônibus são muito ruins. A gente tem uma frota que não atende a demanda da população trabalhadora. Principalmente os trabalhadores dos bairros mais periféricos, porque esse sistema impede que eles possam se locomover do seu local de moradia ao trabalho em pouco tempo com qualidade. Inclusive a região metropolitana é a mais prejudicada porque pode levar duas horas nos horários de pico para se deslocar. Por isso a nossa principal proposta é tirar esses ônibus que hoje são das empresas privadas e incorporá-los à prefeitura. Uma porque a prefeitura já pagou, já é com dinheiro público. Vamos acabar com a Urbs e vamos construir um conselho municipal de trânsito que vai administrar novas rotas, horários, organização do trânsito diferente. Dizem que é integrado, mas não integra nada, não tem nem um cartão integrado com a região metropolitana, não integra a tarifa. O conselho, além de pensar a integração com a região metropolitana e outros modais, organizar uma tarifa de R$ 1, rumo à tarifa zero.

TRANSPORTE COLETIVO
‘Ônibus não dá mais conta da demanda’

Bem Paraná – A construção do metrô é um projeto que foi praticamente abandonado pelas gestões atual e passadas, por ser muito caro. Porque vocês acreditam que é viável?
Professora Samara – Primeiro que o ônibus já não resolve mais. A gente acredita que o transporte, do jeito que está hoje, está saturado, não dá conta da demanda. É a população que é obrigada, que não tem outro tipo de escolha a não ser usar o transporte público por a gente ter um transporte que já está saturado. Que, inclusive, acaba corroborando com um trânsito muito intenso na cidade. E o metrô é uma alternativa. Inclusive grandes capitais utilizam o metrô para dar conta da demanda. Eu acho que é interessante questionar porque os outros partidos descartaram isso. Porque não tem interesse de, de fato, resolver o problema da classe trabalhadora que é obrigada a utilizar o transporte todos os dias. E nós temos um programa muito claro que não é para os grandes empresários que não querem resolver os nossos problemas, mas para a população. E quando a gente fala em metrô, não quer abrir licitação contratando empresas privadas. A gente quer inclusive utilizar os nossos concursados técnicos para fazer uma pesquisa de população, de crescimento populacional da cidade, geográfica, porque Curitiba é imersa em rios, onde vão ser as rotas. Quais as rotas de maior fluxo para fazer o metrô onde é esse fluxo. Diferente de candidatos de campanhas anteriores que queriam utilizar as canaletas, sendo que elas não são a rota dos trabalhadores da cidade. E fazer uma obra pública mesmo, com contratação direta da prefeitura para poder empregar os desempregados da cidade.

BP – Qual a sua opinião sobre o subsídio da prefeitura às empresas de ônibus?
Samara – Eu acho um absurdo, porque não é só a prefeitura que repassa dinheiro para as empresas privadas, mas também o Estado e a gente não vê nenhum retorno para a população. A gente não vê ônibus com mais qualidade, não vê mais horários, não vê mais fluxo. Por isso, inclusive, nós queremos romper com esses contratos. Nós achamos que esse dinheiro poderia ser muito bem melhor administrado, se essas frotas de ônibus já estivessem na prefeitura, se os ônibus fossem da população. Para que os trabalhadores tivessem esse controle, coisa que hoje não temos. Porque principalmente nos bairros periféricos nem ônibus tem. A gente vê que o dinheiro está indo mas não tem retorno. Nós somos contra esses repasses.

GESTÃO PARTICIPATIVA
‘Quem constroi a economia da cidade é a população’

Bem Paraná – O PSTU coloca a sua candidatura como uma alternativa socialista. E a gente vive em uma cidade que é chamada de “República de Curitiba”, terra da Lava Jato, onde o Bolsonaro teve mais de 70% dos votos, e é uma cidade vista como tendo um eleitorado conservador. Até o “fantasma” do comunismo voltou ao debate político. Como sua candidatura se encaixa nesse cenário?
Professora Samara – Eu acho que a população de Curitiba não está muito preocupada se o candidato é conservador, socialista, revolucionário. Acho que a população está mesmo preocupada em saber o que que esses candidatos, governos vão fazer para melhorar a vida dela. Porque entra gestão, sai gestão, entra candidato, sai candidato e a vida da população continua ruim. O preço do alimento continua subindo, o desemprego continua alto, a gente vê um número muito grande de pessoas entrando em trabalhos informais por não ter alternativa de trabalho formal na cidade. Acho que isso, de fato, move as pessoas. É ver que nós temos um programa que de fato seja para o trabalhador, diferente dos outros candidatos, partidos, que apresentam como alternativa agora, mas na verdade não têm propostas nenhuma diferente da atual gestão. Não conseguem se distinguir com propostas que possam melhor a vida do trabalhador. Diferente de nós, que temos propostas que de fato é para colocar o trabalhador na administração da cidade. Esses partidos e essas gestões acabam deixando a população à mercê dela mesma, de um sistema que beneficia os grandes empresários, os grandes banqueiros e não de fato quem precisa.

BP – O que achou da forma como a atual gestão lidou com a pandemia Covid-19?
Samara – Nós achamos que foram medidas muito fracas. No começo da pandemia até teve algumas medidas de isolamento adotadas pela cidade. Mas o que mais nos assusta é que essas medidas foram adotadas quando tinham casos de Covid principalmente na regional Matriz. Quando os casos começaram a chegar aos bairros, a gente começou a ver manifestações, carreatas de comerciantes da cidade pressionando a prefeitura para abrir. E a prefeitura, inclusive, declarou que foi fechado o comércio sem autorização, foi precipitado. E aí abriu tudo, flexibilizou as medidas de isolamento. Mudou as regras das bandeiras. E a gente vê hoje um índice de contaminação muito alto crescendo tanto nos bairros do Tatuquara, Pinheirinho, CIC, que são bairros mais periféricos, são regionais onde tem muitos trabalhadores que se deslocam utilizando o transporte coletiva. E a gente vê medidas de isolamento zero. A gente não vê uma política de testagem em massa, de controle de onde está o coronavírus na cidade. Nem distribuição de máscaras e álcool gel para a população que está sendo obrigada a trabalhar todos os dias. Inclusive vem discutindo aí reabertura de escolas, sendo que a própria população está dizendo que está preocupada com essa abertura precipitada. Achei que não foram tomadas medidas adequadas para o combate ao Covid.

BP – Na educação tem a questão da volta às aulas e dos alunos que não conseguiram acompanhar as aulas remotas. Como administrar isso?
Samara – Primeiro uma parcela muito pequena que tem acesso às aulas onlines, com tutores, com acompanhamento da escola, acesso à internet, com equipamentos tecnológicos dentro de casa. Que geralmente são os filhos dos patrões que de fatos têm condições de pagar por um ensino de qualidade em escola particular. E você tem uma grande parcela da população que são os filhos dos trabalhadores, que são obrigados a estudar no ensino público. E aí você vê uma grande quantidade de alunos com dificuldades de assistir as aulas na televisão, pais com dificuldades de buscar as atividades na escola. Aqueles filhos dos trabalhadores são os que mais estão sofrendo com esse modelo de ensino. Por isso nós somos contra, inclusive, a continuação do calendário escolar em um período como esse. Deveria ser suspenso. Não quer dizer que a gente não quer que os alunos continuem tendo algum contato com os professores, fazendo atividades. Isso é muito positivo. O ruim é isso ser contabilizado como calendário escolar, sendo que os que têm condições de pagar por um ensino particular estão tendo acesso, e os que não têm condições estão sendo prejudicados. Por isso a gente acha que deveria ser suspenso. E aí a gente pensa em como retoma a partir do ano que vem, porque nada disso seria perdido. Outra coisa é a volta às aulas presenciais. Os pais de Curitiba, inclusive, já participaram de pesquisas e falaram que não querem o retorno às aulas porque não querem colocar em risco seus filhos e a si mesmo. Inclusive porque conhecem a realidade das escolas públicas. Que não tinha água nem quando não era período de estiagem, como os alunos vão fazer higienização básica dentro da escola. Nós somos contra o retorno das aulas. Retorno só com vacina, quando acabar a pandemia, quando for seguro para a população ter de volta os seus filhos no ambiente escolar. Nós, inclusive, propomos a estatização dos grandes institutos de educação na prefeitura. Nós queremos que os filhos dos trabalhadores possam estudar nas mesmas escolas que os filhos dos patrões.

BP – Na sua avaliação, qual o maior desafio da próxima administração?
Samara – Acho que o principal desafio vai ser o desemprego. Muitos pequenos comerciantes tendo que fechar as portas. Muitos trabalhadores procurando emprego. A gente vê um aumento muito grande de pessoas vendendo coisas no semáforo, porque acaba sendo uma alternativa para lidar com a fome. Acho que o próximo período é de obras públicas pensadas pela prefeitura para gerar emprego e renda para essa população. Não tem como ficar dependendo da sorte, de um dia bom, para vender. Pensar políticas de restaurantes populares que a gente podia aumentar, construir maternidades nos bairros. É uma forma de não só gerar empregos como melhorar a qualidade de vida da população mais pobre.

BP – Na sua opinião, os trabalhadores brasileiros, em geral, têm essa consciência?
Samara – Algumas pessoas me perguntam também. Será que os trabalhadores têm condições de administrar a cidade?. Mas o que mais me preocupa é que se uma família consegue administrar a sua casa hoje com salário mínimo, pagando aluguel, dando conta de alimentação, transporte caro, porque não consegue administrar a cidade. Eu acho que sim. A população que de fato constroi toda a economia da cidade tem total condição de administrar a cidade. Porque já fazem isso no plano privado. Acho que a cidade precisa de mais administradores assim, que lidam com essas dificuldades todos os dias.