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Yvon Gaillard, CEO Dootax (Foto: Divulgação/Dootax)

A recente aprovação da reforma tributária no final de 2023 inaugurou um período de mudanças e transição, trazendo consigo um cenário onde incertezas sobre a nova legislação tributária ainda permeiam o ambiente. Contudo, mesmo diante das questões tributárias e legais que ainda carecem de clareza, já é possível vislumbrar os elementos que podem influenciar a dinâmica dos diversos segmentos.

Comecemos pelo varejo, que se encontra imerso em um ambiente dinâmico e desafiador, impulsionado pelo notável crescimento do comércio eletrônico e pela crescente busca pela integração omnichannel. Diante desse cenário, os varejistas se veem compelidos a uma adaptação ágil, reflexo da significativa transformação e globalização que o setor experimentou nas últimas duas décadas.

Nesse contexto, é crucial aproveitar as oportunidades oferecidas pela tecnologia e pela evolução do comportamento do consumidor. Vale ressaltar que esse último elemento pode sofrer mudanças drásticas devido a duas importantes regras da reforma tributária: a tributação no local de consumo e a redução substancial dos benefícios fiscais, encerrando a chamada “guerra fiscal”.

Primeiro vamos explicar de forma simples essas duas novas regras da reforma tributária:

Tributação no local de consumo: O imposto será cobrado no estado ou município onde o bem ou serviço for consumido, não onde for produzido.
Fim da guerra fiscal: Estados e municípios não competirão mais por empresas com baixos impostos, pois, constitucionalmente, agora os benefícios fiscais foram limitados e estados como Espírito Santo, por exemplo, não poderão mais conceder benefícios unilaterais para atrair empresas.
De fato, as duas regras introduzidas pela reforma tributária têm o potencial de causar uma revolução no comportamento do consumidor. Com a tributação no local de consumo e a possibilidade de cada município e estado estabelecer suas próprias alíquotas, podemos vislumbrar um cenário em que comprar em municípios vizinhos pode ser mais vantajoso do que em nosso próprio local de residência, especialmente para produtos de maior valor.

Essa discrepância de preços pode incentivar um aumento no uso de endereços alternativos, como os de amigos, familiares ou até mesmo “virtuais”, para compras online, especialmente em busca de produtos mais acessíveis. No entanto, essa prática trará desafios significativos para a fiscalização tributária, uma vez que o cadastro de pessoas físicas é menos controlado do que o de pessoas jurídicas, considerando que a tributação atualmente incide na origem do bem ou serviço.

Outra perspectiva intrigante é a possível ressurgência das mega lojas de departamento e o aumento dos outlets, especialmente em regiões com tributação mais branda, o que certamente atrairá uma ampla gama de consumidores em busca de produtos com preços mais competitivos. Essa tendência pode evocar memórias nostálgicas da década de 90, quando os passeios de final de semana com os pais para adquirir TVs, videocassetes e aparelhos de som eram uma prática comum.

Portanto, a reforma tributária, ao introduzir mudanças significativas como a tributação no local de consumo e o fim da guerra fiscal, está delineando um novo panorama para o varejo brasileiro. Esse setor, já imerso em um cenário dinâmico e desafiador, enfrentará a necessidade de uma nova adaptação ágil.

Essas mudanças não apenas influenciarão o comportamento do consumidor, incentivando práticas como compras em municípios vizinhos e a ressurgência de mega lojas e outlets, mas também desafiarão as estruturas de fiscalização tributária. Assim, a capacidade de antecipar e reagir a essas transformações será fundamental para o sucesso e a sustentabilidade das operações varejistas no Brasil.

*Yvon Gaillard é cofundador e CEO da Dootax, primeira plataforma de automação fiscal do Brasil. Com mais de 15 anos de atuação no mercado, o executivo é um dos principais personagens na revolução do sistema fiscal do país. Economista formado pela FAAP e com MBA pela Business School São Paulo, liderou projetos em empresas como Gol Linhas Aéreas e Thomson Reuters