Deltan Dallagnol. Foto: Franklin de Freitas

Se o ex-juiz Sérgio Moro resolveu ficar calado, o ex-chefe da força-tarefa da Lava Jato,  ex-procurador Deltan Dallagnol foi por outro caminho. Dallagnol emitiu uma nota oficial comentando a decisão do corregedor-nacional de Justiça, Luis Salomão, do CNJ, de afastar a juíza Gabriela Hardt, que era substituta de Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba e deu sentenças durante a operação. Dallagnol disse que a decisão do juiz de “afastar cautelarmente a juíza Gabriela Hardt, que condenou Lula a mais de 12 anos de prisão pelo caso do sítio de Atibaia, é absolutamente constrangedora”. Segundo ele, o recado passado com a decisão é: “Juízes, procuradores e policiais, baixem a cabeça para os poderosos”.

Dallagnol analisa, em sete pontos, a decisão do corregedor do CNJ. Entre outras coisas, defende a criação da fundação que usaria dinheiro das multas às empresas condenadas na operação, um dos pontos usados pelo corregedor para justificar o afastamento de Gabriela Hardt. “A ideia da fundação seguiu as melhores práticas internacionais e nacionais e previa uma série de regras de controle, fiscalização e governança para garantir que o dinheiro fosse empregado em favor da sociedade e sem qualquer tipo de benefício a partes relacionadas”, disse.

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Veja a íntegra da nota de Deltan Dallagnol sobre a decisão do corregedor do CNJ

NOTA SOBRE O AFASTAMENTO DA JUÍZA GABRIELA HARDT

A decisão do corregedor nacional de justiça, Luís Salomão, de afastar cautelarmente a juíza Gabriela Hardt, que condenou Lula a mais de 12 anos de prisão pelo caso do sítio de Atibaia, é absolutamente constrangedora. Apesar da tentativa de dar ares de gravidade e seriedade à decisão, a simples leitura do documento mostra se tratar de uma decisão frágil, desprovida de fundamentos e carregada de um tom que passa a mensagem de perseguição política a juízes e desembargadores que atuaram na operação Lava Jato, condenaram corruptos e contrariaram interesses poderosos.

1. De fato, a decisão afirma, resumidamente, que a juíza cometeu irregularidade de forma intencional ao ter homologado o acordo entre o MPF e a Petrobras, por meio do qual se garantiu que fosse devolvida ao Brasil 80% da multa que a Petrobras deveria pagar nos Estados Unidos às autoridades daquele país, em razão da corrupção descoberta nos governos do PT. Assim, a Lava Jato garantiu que cerca de R$ 2,5 bilhões de reais retornassem aos cofres públicos brasileiros, em vez de irem para os dos Estados Unidos. Os argumentos do corregedor para concluir que a juíza cometeu irregularidade ao decidir dessa forma são os seguintes: a petição do MPF é escassa de informações e a juíza decidiu de forma muito rápida, em cerca de 2 dias.

2. É inacreditável que o corregedor nacional de justiça tome uma decisão tão grave como o afastamento cautelar de uma magistrada, com base em argumentos tão débeis, frágeis e ridículos, trazendo à tona a hipótese de que as punições desproporcionais, sem fundamentação e sem provas reais de irregularidades graves contra juízes e desembargadores que atuaram na operação Lava Jato ocorram unicamente por motivação política, a fim de agradar um presidente da República que foi condenado e preso pela Lava Jato e que já manifestou publicamente o desejo de se vingar dos agentes da operação. Além disso, segundo a imprensa, o corregedor nacional de justiça e relator do caso é publicamente um dos mais notórios candidatos a vagas ao Supremo Tribunal Federal, onde teria como padrinho à sua indicação o ministro Alexandre de Moraes.

3. O acordo do MPF com a Petrobras que previa uma fundação de interesse público, que foi objeto da decisão da juíza, foi considerado legal e legítimo por 9 órgãos, em geral melhor informados, experientes e capacitados do que o STF (que suspendeu a fundação) no tema anticorrupção: força-tarefa da Lava Jato, grupo de trabalho de acordos de leniência do MPF, Câmara de Combate à Corrupção do MPF, Justiça Federal, procuradores do grupo da Lava Jato da Procuradoria Regional da República da 4ª Região, Corregedoria da Justiça Federal da 4ª Região, Corregedoria do Ministério Público Federal e Corregedoria do Conselho Nacional do Ministério Público. O acordo entre MPF e J&F ia na mesma linha. A ideia da fundação seguiu as melhores práticas internacionais e nacionais e previa uma série de regras de controle, fiscalização e governança para garantir que o dinheiro fosse empregado em favor da sociedade e sem qualquer tipo de benefício a partes relacionadas.

4. Além da debilidade da decisão cautelar de afastamento, verifica-se que esta e outras apurações disciplinares no CNJ estão ocorrendo de forma absolutamente ilegal e contrária à lei, fora do escopo da competência do CNJ, que não tem competência para avaliar o mérito das decisões dos juízes, o que cabe apenas aos tribunais. Primeiro, nem a Constituição nem o regimento interno do CNJ permitem o afastamento liminar de magistrados pelo corregedor nacional de justiça. Essa competência é apenas do Plenário do CNJ, por maioria de votos durante processo disciplinar, assegurada a ampla defesa do magistrado.

5. Segundo, ao procurar fiscalizar como os juízes e desembargadores decidiram na Lava Jato, se suas decisões foram acertadas ou não, o CNJ viola a lei e suas próprias atribuições, assumindo para si funções que não tem poder ou legitimidade para exercer. De fato, o CNJ não tem competência para rever o mérito de atos jurisdicionais (pois cabe ao CNJ apenas a revisão de atos administrativos), ainda mais quando entendidos como corretos por 9 órgãos do sistema de justiça.

6. Terceiro, a decisão ultrapassa outro limite legal: estabelece o “crime de hermenêutica”, que não convive com a necessária independência judicial, usado para punir e constranger magistrados a decidir conforme os interesses do poder. O crime de hermenêutica é aquilo que Rui Barbosa, maior dos juristas brasileiros, já denunciava no início do século XX como “hipérbole do absurdo”: uma espécie de garantia da injustiça “a benefício dos interesses poderosos, em mecanismo de pressão para substituir a consciência pessoal do magistrado, base de toda a confiança na judicatura, pela ação cominatória do terror, que dissolve o homem em escravo”.

7. A mensagem que está sendo passada é clara: “juízes, procuradores e policiais, baixem a cabeça para os poderosos”. É a velha e repudiante mensagem da carteirada, no mais alto nível. Quem ousar colocar corruptos poderosos na cadeia no Brasil vai responder com seus cargos, suas vidas e seus patrimônios. Numa análise objetiva da decisão e seus efeitos, o que o CNJ está fazendo é perseguir politicamente juízes e servidores públicos que corajosamente combateram a corrupção e incutir medo em todos aqueles que tiverem à sua frente casos em que o cumprimento do dever legal contrarie os interesses dos poderosos.

Deltan Dallagnol“