Grandes têm sido os problemas políticos, econômicos e sociais que temos enfrentado, e nossa cultura política não tem facilitado este processo, entendermos uns aos outros tem sido cada vez mais complexo, agressividades e violências ou mesmo simples desentendimentos parecem imperar em territórios que julgávamos pacificados.
Como exemplo, podemos utilizar até mesmo um comezinho: o trabalho remoto, que vem se transformado em uma realidade para milhares de profissionais, mas tem escancarado uma situação que já afetava o mundo do trabalho havia tempo, a falta de confiança entre empregadores e empregados dentro das organizações brasileiras. Para que o home office seja eficiente, colaboradores precisam autogerenciar-se, fazendo o controle do tempo e apresentando produtividade, e os gestores precisam acreditar que as tarefas serão realizadas e dar um direcionamento correto às atividades necessárias.
Não é o que acontece em grande parte das empresas, a desconfiança é mútua, e esta cultura política comum de falta de sinceridade e medo pode ser problemática para a consolidação de um bom exercício profissional, para o orgulho do bom trabalho executado, para o aprimoramento da cidadania e até do comportamento republicano em nossa sociedade.
Há um déficit de confiança interpessoal no Brasil, quando comparado com outros países no mundo, pois representamos um dentre aqueles em que ela se encontra entre as mais baixas, o que constitui o cerne do problema da baixa confiança nas instituições.
Em pesquisa do World Values Survey, a confiança interpessoal em países como a Suécia é de aproximadamente 60%, enquanto aqui não ultrapassamos cerca de 20%. E o mais sério é que confiança parece se correlacionar positivamente com outras características sociais, como produto interno bruto e até mesmo estabilidade social e democracia, e ademais parece estar na base das empresas de alto desempenho.
A desconfiança piora as relações profissionais, afetando a criatividade e a motivação para o trabalho, o que gera impactos negativos à saúde econômica dos empreendimentos; principalmente nos últimos anos, e como efeito direto das fake news, o alinhamento entre o que é dito e a realidade se transformou em um parâmetro de confiabilidade nas organizações, e no entanto pequena proporção de empresas e colegas parecem agir em concordância com seus discursos. As últimas pesquisas na área tem demonstrado que apenas 35% dos jovens, 31% da média gestão e 42% da alta liderança acreditam que é possível ser autêntico no ambiente de trabalho, e concluem que os profissionais brasileiros não confiam em seus gestores, acham que suas empresas não são transparentes, que no ambiente laboral não podem ser eles mesmos e que a eles não é dado tempo para aprender novas habilidades.
Fomos considerados o país mais ansioso do mundo em levantamento realizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que colocou a depressão como a maior causa de afastamento das atividades por doença em 2020. Ademais, até mesmo instituições escolares tem sofrido deste mal, com jovens perdendo a confiança no conhecimento como forma de preparar-se para o mundo do trabalho, em detrimento da esperteza e de “tirar vantagens de tudo”, já que não vê os demais como dignos e merecedores de tratamento ético.
Assim, somos capazes de atirar num vizinho que está ouvindo música num horário que julgamos impróprio, ou em alguém que passa a nossa frente numa fila de supermercado, ou com quem temos um desentendimento de trânsito.
Como apenas podemos confiar em nós mesmos e na nossa capacidade de julgamento, nos tornamos autorreferentes e medida do mundo; difícil formar comunidade e promover desenvolvimento de um país desta forma.
Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.