A justiça formal, ligada à Lei, é atributo e dever do Estado, cabendo-lhe aplicá-la; a interpretação de que pessoas ou circunstancias possam ser justas ou injustas por escolha, temperamento ou casualidade apenas se sustenta se aplicada exclusivamente no campo “humano” ou factual. Geralmente a pessoa considerada justa tem qualidades que diferem do sentido lato da justiça: ponderação, equilíbrio, generosidade. E, como diz o brocardo, “cada cabeça uma sentença”, o que é correto para o proprietário do imóvel, da terra, da fábrica, talvez não seja visto assim para inquilinos, meeiros ou operários, a Justiça não pode estar subordinada a interesses ou visões pessoais.
A decisão “salomônica” de ordenar que um infante fosse desmembrado para que coubesse metade dele a cada mulher que o reivindicava como seu filho, longe de ser exemplo de justiça o é de ardil, a mãe de verdade não aceitou essa barbaridade e abriu mão do direito materno para preservar a vida da criança, possibilitando ao julgador um veredito “justo”, à mãe seu filho. Mais do que um julgamento isso caracteriza uma investigação, a sentença é consequência e só pode ser aplicada por quem detém o poder.
A representação da deusa greco-romana da justiça, Themis, ilustra os atributos da Justiça: na mão esquerda uma balança representando o equilíbrio nos processos e julgamentos, na mão direita uma espada simbolizando o poder temporal para aplicar a Lei, finalmente a venda nos olhos, talvez o símbolo mais poderoso, imagem adotada apenas a partir do século XVI evoca a imparcialidade.
A Justiça é, e deve ser, impessoal, a Generosidade por outro lado é uma qualidade essencialmente pessoal e altruísta, e é muitas vezes confundida com a justiça, que é uma preocupação com o outro, e muitas vezes também altruísta.
No entanto, dois aspectos as separam: justiça normalmente é uma reivindicação pessoal, que pode ser verdadeira, porém dificilmente será altruísta, enquanto a generosidade raramente será objeto de exigência, pois não podemos pedir tratamento generoso, apenas podemos desejar isso.
Ademais a justiça visa o bem comum, o que termina por incluir também a pessoa que age de forma justa, ou seja, beneficia o próprio ser humano que age de forma justa. Se lutamos para que todos tenham alimentos, fica implícito que o alimento deve ser destinado indistintamente a cada um, o que compreende aqueles que lutam para este objetivo.
No entanto, quando somos generosos, estamos mirando apenas o bem-estar dos demais, na maior parte das vezes fazendo até um certo sacrifício, transcendendo o dever.
Até dicionários costumam definir generosidade como uma virtude daquele que se dispõe a sacrificar próprios interesses em benefício de outros, sinônimo de muitas outras virtudes, como benevolência, magnanimidade, caridade.
Adam Smith, escritor do século XVIII, que gerou uma série de mudanças nas políticas econômicas em todo o mundo, dedicou-se a uma análise dos sentimentos morais, já observava que a falta da generosidade não recebe castigos, porém o ato injusto recebe sanções legais, pois traz sempre um mal à pessoa injustiçada – generosidade é esperada, justiça é exigida.
Para muitos, a generosidade pode constituir um dever moral, embora os deveres negativos – não matar, não roubar, não levantar falsos testemunhos, tenham sempre prevalência social.
No mundo ideal, que não temos infelizmente, a Justiça é sempre cega e equânime, a Generosidade é apanágio de todos. No mundo real precisamos lutar pela Justiça e procurar a Generosidade, ainda que inglória será uma luta que nos fará melhores, e talvez até faça o mundo melhor.
Professores muitas vezes se questionam se seria possível educar para a generosidade, sendo mais fácil estudar leis e a necessidade de aplica-las para garantir a justiça; mas a verdade é que de ambas o mundo anda carente.
Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.