“Todo homem que tem realmente cuidado de si deve fazer amigos” (Foucault), porque é exatamente essa necessidade do cuidado de si a motivação para ter amigos.

Embora amizade pareça fazer parte de nossos assuntos mais íntimos e privados, ela pertence a um espaço de sociabilidade além das relações familiares – embora possa existir dentro dela – que interessa particularmente ao processo educativo, por favorecer proximidade, familiaridade e fraternidade.

Também a pensadora Hannah Arendt: “Enquanto a força é a qualidade natural de um indivíduo isolado, o poder passa a existir entre os homens quando eles agem juntos, e desaparece no instante em que eles se dispersam”, falando sobre a amizade, sobre aqueles que nos completam ou nos fazem pertencer ao mundo.

Amigos e amigas muitas vezes nos tornam pessoas melhores com suas palavras e ações, nos  fazem ter o “cuidado de si” indispensável para refletirmos sobre nossos atos e enfrentarmos o desafio existencial de cuidarmos dos outros num mundo onde os aspectos mais valorizados pela sociedade são beleza física, dinheiro, status, e no qual  não podemos demostrar nossas dúvidas, fraquezas e medos; um mundo onde exibimos nas redes sociais nossa autossuficiência e a não necessidade da ajuda do outro.

Assim, somente podemos ter relações superficiais e vínculos efêmeros, pois proximidade implicaria em colocar a descoberto nossas falhas, e então os demais não tem lugar na nossa história, exceto para favorecer nossos planos e projetos; por isso estamos continuamente insatisfeitos, sofremos e adoecemos.

O verdadeiro sentido do cuidado implica em duas características básicas intimamente ligadas entre si: atitude de atenção, desvelo e solicitude; e a de preocupação, inquietação e responsabilidade, porque a pessoa que tem cuidado está envolvida e ligada ao outro, e isso é impossível sem cuidarmos de nossa própria estabilidade e autoconsciência. Desde os gregos, o “conhece-te a ti mesmo” tem sido um dos mais difíceis trabalhos de todo ser humano.

Existe uma relação profunda entre o cuidado de si e o cuidado dos outros, assim como  articulação entre técnicas de governo de si e técnicas de governo dos outros, o que explica até uma tendência de sucesso de alguns políticos em detrimento de outros. A ética do cuidado de si demanda que o indivíduo tome a si mesmo como fim último de sua conduta moral.

Sócrates, milhares de anos atrás repetia o imperativo “tu deves ocupar-te contigo mesmo”, explicitando a relação entre verdade, subjetividade e relações de poder, analisada a partir de uma história das práticas de si, que não são exatamente individualistas, ao contrário, elas se inserem num contexto mais amplo de práticas sociais, as formas de governar não podem ser muito diferentes dos modos de governar a si mesmo, do cuidado verdadeiro com a imagem social que projetamos ao nos interessarmos por todos os demais.

Pensadores gregos, como os cínicos, estoicos e epicuristas, já tratavam das “práticas de si” ou “técnicas de si”, que permitiam efetuar, sozinho ou com a ajuda dos demais, certo número de operações sobre seu corpo, suas condutas, alma, pensamentos e modo de ser; de forma a podermos nos transformar para alcançar um estado de sabedoria, felicidade, pureza, e bom conceito na comunidade.

Mesmo que ocupar-se de si possa parecer apenas uma forma de egoísmo ou de interesse individual em contradição com a atenção que é necessária em relação aos outros, mesmo na religiosidade buscar a salvação da alma é também uma maneira de cuidar de si. Isso acontece também no ensino, pois de forma geral apenas o professor legitimamente interessado na própria cultura e aperfeiçoamento individual poderá despertar a vontade de aprender em seus alunos; e ademais precisa mostrar-se amigo e solidário.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.