Intolerância é, quase sempre, consequência de insegurança: política, econômica, racial, religiosa. Quando um grupo de pessoas julga que seus direitos ou privilégios são ameaçados pela assunção de outro grupo, ou ordem de valores, reage violentamente para cancelar a ameaça; até mesmo negando a própria humanidade dos inimigos reais ou imaginários.
Desta forma, imigrantes são discriminados primeiramente por “disputar empregos ou benesses” com os cidadãos “reais”, como parte da discriminação sua aparência física, modo de vestir, idioma, hábitos alimentares, são considerados prova de inferioridade e justificativa para a não assimilação.
Países que conviveram com a chaga da escravização de negros, Brasil incluído, não os aceitaram até hoje como cidadãos plenos. Além da má consciência há o receio de que a melhoria da condição social ou profissional dos negros ressalte sua igualdade com os “brancos”, eliminando o tão confortável quanto injustificado sentimento de superioridade destes.
Entre nações que competem por mercados ou dividem fronteiras há quase sempre mitologias exacerbadas sobre os maus hábitos e qualidades de uns e de outros. Atire a primeira pedra quem nunca ouviu ou contou piadas sem graça sobre a empáfia de argentinos ou as falsificações dos paraguaios, ou indo mais longe a suposta “burrice” dos portugueses.
O time de futebol que disputa o campeonato contra aquele para o qual torcemos é sempre repleto de defeitos e desonestidades que se somam às do árbitro que não favorece o nosso time.
Concorrência e competição geram sempre intolerância, podemos suportar tudo menos que disputem nosso mercado, nosso espaço, nosso status, ou seja aquilo que possa estar realmente em disputa.
Como reação à barbárie das guerras religiosas do século XVI, apareceu certa urgência de estabelecer critérios que permitissem a convivência entre católicos e protestantes, e terminou por propiciar a criação do conceito de tolerância, para tentar combater a extrema intolerância que se manifestava nos relacionamentos, prejudicando comercio, produção de bens a até a vida das pessoas.
O respeito pela opinião dos demais, a gentileza e cuidado para com o outro, consideração e liberdade de pensamento e principalmente da fé, fez a partir daí o aperfeiçoamento de uma filosofia de tolerância, e a produção de teorias de bem viver. Durante o Iluminismo, o radicalismo antirreligioso que se opunha ao “progresso das luzes”, “à difusão em todas as classes sociais dos conhecimentos científicos e da atitude racionalista que elas exigem”, provoca uma crença no predomínio da razão para tentar fazer desaparecer todas as formas substanciais de doutrinas, como se fosse o estabelecimento de uma “religião da razão”, criando uma contradição no seio da filosofia: a intolerância da tolerância.
No entanto, muitos pensadores, como Goethe no século XIX, alertaram para o fato de que a tolerância seria apenas uma atitude transitória, e que o essencial seria o verdadeiro reconhecimento dos demais, absorver o entendimento da alteridade, tomar uma posição ética contra a violência do racismo, da xenofobia, da misoginia e outras formas de intolerância.
Apesar disso, sentimentos de estranheza e hostilidade permaneceram nas comunidades, permitindo estereótipos de superioridade de alguns grupos, e eclodiram no início do século XX, mesmo que julgássemos a humanidade imune à intolerância, desta vez revestida por conceitos falsamente científicos de predominância de uma raça sobre outras, e com isso eliminou milhares de seres humanos em campos de extermínio.
Não tem sido simples pensar os motivos do ressurgimento histórico da intolerância e seu séquito de horrores que Hannah Arendt chamou de “banalização do mal”, como se em todas as sociedades persistisse o “narcisismo das pequenas diferenças”, ou seja, a hostilidade nos vínculos humanos, que sobrepujam os sentimentos de solidariedade e o mandamento de amar ao seu próximo.
Educação é fundamental para tentar combater este mal.
Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.