“…depois faço a loteca com a patroa, quem sabe o nosso dia vai chegar. E rio porque rico ri à toa, também não custa nada imaginar”. (Cotidiano número 2, Toquinho e Vinícius).

Jogar, correr riscos por uma recompensa, é da natureza humana. Mas há jogadores e jogadores, desde aquele que faz uma “fezinha” eventual em “jogo do bicho”, loterias ou bingos, sem comprometer seu orçamento, até os realmente viciados que apostam o que tem, o que não tem, o que conseguem emprestado, e acreditam mesmo que a “sorte vai mudar” e que neste dia ficarão ricos.

As probabilidades são contra os apostadores em um nível espantoso: na popular mega sena um jogo de seis números terá uma chance em cinquenta milhões(!) de ser contemplado, claro que ganhar na “mega” é preferível a ser atingido por um raio mas é bem mais provável que o raio aconteça dez vezes. De modo um pouco menos dramático é o que ocorre em todas, absolutamente todas, as loterias.

Jogos de cassino, em que podem ser incluídos os atuais jogos eletrônicos, fazem a fortuna… dos donos dos cassinos, as histórias de sortudos que “quebraram a banca” são apenas isso, histórias, geralmente esses ganhadores são apostadores contumazes que já perderam muito mais do que vieram a ganhar, ou pessoas que tiveram uma sorte incrível que só acontece uma vez na vida, e até mesmo ganhadores de prêmios medianos que confirmam a seriedade do estabelecimento. Se pode ser chamada de séria uma atividade em que noventa e nove por cento das pessoas perde e um por cento ganha, pouco.

O vício em jogo decorre de alguns fatores, primeiro a esperança de ganho fácil que rapidamente é frustrada, a seguir o processo de continuar jogando apesar de perder por não acreditar que seja possível perder sempre, mesmo que as evidencias sejam contrárias; nessa síndrome o ganho é talvez pior que a perda, se esta pode motivar o jogador a arriscar menos aquele o estimula a arriscar tudo pois afinal “a sorte mudou”.  

Bets, tigrinho, jogos online… todas as modalidades de jogos têm crescido de forma dramaticamente exponencial no país, com adultos endividados, gastos feitos com cartão que deveria garantir comida para a família, adolescentes presos durante horas às telas, crianças adorando a expansão de suas brincadeiras até o ponto da adição.

Com a grande disseminação tecnológica das últimas décadas os jogos eletrônicos estão cada dia mais populares, chegando a transformar-se em problema econômico grave; jogos são hoje uma das principais atividades de lazer de crianças e adolescentes, e já estavam sendo estudados o que psicólogos chamavam de “jogos patológicos”, pela sua capacidade de transformar diversão em vício.

No entanto, cada vez mais adultos se aproximam desta atividade de forma excessiva, pois a crença no enriquecimento rápido, o milagre da mudança de vida através da “sorte no jogo” certamente está causando problemas, influenciando diretamente estes indivíduos, que estão rodeados de artifícios tecnológicos desde tão cedo e durante todo o tempo. Como resultado desta disseminação tecnológica, uma grande proporção da população começa a apresentar sintomas de vícios, ao ponto do prejuízo não apenas mental, mas também financeiro.

Atualmente os jogos eletrônicos representam importante forma de entretenimento na sociedade, aumentando cada dia mais seu volume de vendas, sendo líder no segmento da indústria digital e de entretenimento interativo, especialmente quando se trata de adolescentes e jovens adultos, que tendem a dedicar uma parte importante do seu tempo, e dinheiro, para eles.

E os jogos estão cada vez mais deslumbrantes, desenvolvidos pelo interesse da indústria dos jogos em lucros cada vez maiores, que aumentam suas pesquisas com o seu público-alvo, para que estes se tornem cada vez mais envolventes e viciantes.

Estes novos vícios são estudados através dos “comportamentos de dependência”, grupo constituído por todas as práticas de controle de impulsos, tal como o chamado transtorno do jogo, online ou offline, que sempre associamos a coisas inofensivas, desafiadoras, divertidas, a serem exercidas sozinhos ou em grupos sociais, que afastam problemas reais e proporcionam felicidade.

Professores nas escolas de todos os níveis reclamam da desatenção dos estudantes, da falta de brincadeiras coletivas e leituras que permitiriam o desenvolvimento cognitivo.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.