* Silvana Alves
A atividade portuária é legitimamente entendida como essencial, nos termos do Art. 10 da Lei Geral de Greve, dada sua relevância para a distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos (Art. 10, III), transporte de combustíveis (Art. 10, I) e suporte da economia nacional, e, inclusive, protegida por princípio fundamental, pois inserida no conceito amplo dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (Art. 1º, inc. IV, da CF/88).
Desse modo, considerando que os trabalhadores em tais atividades continuaram exercendo suas atividades normalmente durante a pandemia, as empresas atuantes em operações portuárias e os órgãos gestores, desde que foi decretado estado de calamidade em razão da pandemia do novo coronavírus, têm realizado intensas campanhas de protocolos de segurança, inúmeras ações preventivas e de análise epidemiológica objetivando o bloqueio da transmissão da doença, inclusive de cunho educativo além da faixa portuária.
Ocorre que, para o enfrentamento da emergência de saúde pública, muitas medidas de importância internacional foram adotadas, a exemplo da vacinação, conforme disposição contida no Art. 3º, III, alínea “d” na Lei 13.979/2020 e ainda no Guia Técnico do Grupo de Trabalho Nacional (GT) do Ministério Público do Trabalho (MPT).
Contudo, apesar dos esforços para alcançar os objetivos e superar o desafio de vacinar os grupos prioritários, inclusive aqueles atuantes nas atividades essenciais, como nas operações portuárias, questões como proibição à vacinação forçada, exigência de prévio consentimento e a intangibilidade do corpo humano tornaram-se fundamentais no atingimento das metas constantes do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a covid-19, a ponto de o Poder Judiciário ter decidido pela compulsoriedade da vacinação.
A decisão foi tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a partir da repercussão geral reconhecida no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE 1267879). O caso concreto analisado envolvia a vacinação obrigatória de crianças e adolescentes. Nesse caso, o relator se posicionou no sentido de que “é legítimo impor o caráter compulsório de vacina que tenha registro em órgão de vigilância sanitária e em relação à qual exista consenso médico-científico. Diversos fundamentos justificam a medida, entre os quais: a) o Estado pode, em situações excepcionais, proteger as pessoas mesmo contra a sua vontade (dignidade como valor comunitário); b) a vacinação é importante para a proteção de toda a sociedade, não sendo legítimas escolhas individuais que afetem gravemente direitos de terceiros (necessidade de imunização coletiva)”.
Além disso, nas ADIs 6586 e 6587, o Pleno do STF, por maioria de votos, firmou a seguinte tese de julgamento: “(I) a vacinação compulsória não significa vacinação forçada, porquanto facultada sempre a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes, e (i) tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes, (ii) venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes, (iii) respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas, (iv) atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade e (v) sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente; e (II) tais medidas, com as limitações acima expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência”.
A partir do entendimento firmado pelo STF, passou a ser constitucional a exigência compulsória da vacinação, inclusive para os trabalhadores que atuam nas atividades essenciais de operações portuárias, pois ela visa proteger um direito coletivo, que se sobrepõe a um interesse individual. Ainda, o intento de eliminação ou diminuição da propagação da covid-19 cabe a cada um, em seu papel de cidadão, inclusive empresas e/ou órgãos gestores, aos quais cabe a responsabilidade pela saúde dos trabalhadores e o zelo pelo meio de trabalho seguro e saudável, além de todas as medidas protetivas até então tomadas.
Apesar das intensas campanhas em prol da imunização dos trabalhadores portuários, que objetivam a manutenção da força de trabalho e o funcionamento das atividades essenciais, não é raro encontrar trabalhadores que se recusam a ser vacinados, pelos mais diversos motivos, sejam eles pessoais, pela impossibilidade de escolha do imunizante ou notícias a respeito de falha na eficácia. Ocorre que, ao persistir a recusa injustificada, mesmo após os esclarecimentos quanto ao procedimento de vacinação e consequências jurídicas da sua obrigatoriedade, seguindo o entendimento firmado pelo STF e pela diretriz emanada pelo Guia Técnico Interno do MPT sobre Vacinação contra a covid-19, as operadoras portuárias e os órgãos gestores devem adotar medidas disciplinares, inclusive suspensões de contrato de trabalho ou despedida por justa causa (Art. 482, alínea “h” c/c Art. 158, II, § Único, alínea “a”, ambos da CLT), no caso de celetistas ou bloqueio nas escalas de trabalho para os trabalhadores portuários avulsos, sendo que as suspensões e bloqueios permanecerão até que seja regularizada a vacinação.
Nesse contexto, o empregado ou trabalhador portuário que escolher, injustificadamente, não se vacinar, arcará com a consequência de sua escolha, pois o interesse público tutelado prepondera sobre o individual, ainda mais quando o mundo numa atitude uníssona adota medidas de luta e resistência à covid-19. Com isso, os trabalhadores que descumprirem com as medidas de prevenção adotadas, inclusive vacinação, arcarão com as sanções cabíveis e pertinentes, a exemplo de demissões por justa causa ou bloqueio em escalas de trabalho.
*A autora é advogada trabalhista no escritório de Paranaguá (PR) da Andersen Ballão Advocacia.
DOUTRINA
“E, afinal é possível demitir por justa causa o trabalhador que optar por não se vacinar? sem delongas para a nossa conclusão: não é possível, por várias razões legais e lógicas. Vamos aos fundamentos legais. O primeiro é a natureza invasiva da vacinação e o direito do indivíduo que afastam peremptoriamente a possibilidade de punição ao trabalhador que recusar a vacinação. O segundo pauta-se no art. 22 do texto constitucional, em que seve competência privativa da União para legislar sobre normas gerais do trabalho. Logo, ante a ausência atual de norma legal que autorize a justa causa em casos de recusa á vacinação, não terá amparo a empresa que assim proceder. Vale lembrar que a justa causa somente será possível nos casos expressos do ar. 482 da CLT, incluído pela Lei 13.467, de 2017.”.
Trecho do artigo “Não se vacinar pode resultar em justa causa?”, de autoria dos advogados Anderson Angelo Vianna da Costa e Eduardo Alves Borin de Oliveira, publicado na revista BONIJURIS, de ago/set 2021, página 88.
ESPAÇO LIVRE
Precisa-se de líderes
*Nelson Wilians
Ao mesmo tempo que paira no ar a impressão de que tudo pode acontecer em nosso país, há aquela sensação de estagnação, de que nada vai mudar, a não ser para pior.
Recentemente, li um artigo sobre o ex-presidente americano Bill Clinton, que lembrava o seu discurso de posse, em 20 de janeiro de 1993. Clinton observou que as distinções entre as relações internas e externas estavam se tornando confusas à medida que a população global era afetada por uma economia fraca, catástrofes ambientais, Aids e pela corrida armamentista.
Durante seus oito anos como presidente, ele enfrentou essas questões bravamente enquanto conduzia os Estados Unidos ao século 21. A estratégia econômica de Clinton concentrava-se na disciplina fiscal, investimento em educação, saúde e tecnologia e abertura de mercados externos.
Além do rumoroso escândalo que abalou o seu governo e as investigações que o levaram a um processo de impeachment (do qual foi absolvido no Senado) em seu segundo mandato, a presidência de Clinton é lembrada pelos americanos como uma das mais bem-sucedidas do século 20, não apenas por suas enormes realizações internas e significativas conquistas de política externa, mas também por criar uma nação mais forte no início de um novo século.
Nelson Mandela é um outro exemplo de líder cujo compromisso com a liberdade lhe rendeu o Prêmio Nobel da Paz. Mas, sobretudo, por sua longa campanha por uma sociedade democrática e livre que uniu a África do Sul.
Mais do que suas realizações, esses homens apontaram para uma nova perspectiva e fizeram suas nações sonharem.
Tão desanimadora quanto a pandemia é a falta de perspectiva que o Brasil atravessa nesse momento. Há um contínuo clima de tensão onde a democracia e as liberdades civis podem ser pisoteadas enquanto a roda da economia está atolada na lama da estagnação.
Haja saúde mental e física ao brasileiro para suportar esse desalento ainda em meio aos efeitos do coronavírus.
As principais reformas estão paradas ou são aprovadas parcialmente e aquém do necessário. Enquanto outros temas obsoletos ocupam espaço no Executivo e no Legislativo. Vide o distritão e o voto impresso, recentemente.
Na essência, contudo, os desafios de hoje, que parecem tremendamente assustadores, não são diferentes daqueles pelos quais lutamos por dezenas de anos, entre eles, a injustiça.
Nesse sentido, para reaproveitar uma frase sobre o Brasil da ex-primeira-ministra da Grã-Bretanha, Margaret Thatcher, outra liderança mundialmente reconhecida, precisamos de líderes capazes de “atuar com base em princípios, na defesa da liberdade, sob o império da lei e com uma administração profissional”. Em outras palavras, precisamos de líderes (sociais, políticos e intelectuais) que nos devolvam uma perspectiva viável. Não mais do mesmo. O progresso só é possível com líderes que tenham o atrevimento de imaginar um futuro mais brilhante.
*O autor é empreendedor, advogado, fundador e presidente do Nelson Wilians Advogados.
PAINEL JURÍDICO
Obrigação fiscal
Todas as empresas domiciliadas na região Sul, independente da nacionalidade e finalidade, sujeitas ou não ao pagamento do IR, deverão entregar a Escrituração Contábil Fiscal (ECF) referente ao ano-calendário de 2020 até o dia 30 de setembro. O sócio da área de tributos da KPMG, Marcos Grigoleto, alerta para a necessidade do correto preenchimento da ECF, pois as penalidades da Receita Federal têm sido elevadas e o Fisco efetua o cruzamento de informações para identificar possíveis irregularidades.
Preposto
A apresentação da carta de preposto fora do prazo fixado pelo juízo não acarreta os efeitos da revelia e da confissão ficta previstos no artigo 844 da CLT. O entendimento é da A 2ª Turma do TST.
Sexo ignorado
Crianças que nascem sem o sexo definido já podem ser registradas com o sexo “ignorado” na certidão de nascimento, podendo realizar, a qualquer tempo e de forma gratuita, a opção de designação de sexo em qualquer Cartório de Registro Civil do Paraná, sem a necessidade de autorização judicial ou de comprovação de realização de cirurgia sexual, tratamento hormonal ou apresentação de laudo médico ou psicológico. A mudança consta do Provimento nº 122/2021 do CNJ.
DIREITO SUMULAR
Súmula 644 do STJ- O núcleo de prática jurídica deve apresentar o instrumento de mandato quando constituído pelo réu hipossuficiente, salvo nas hipóteses em que é nomeado pelo juízo.
LIVRO DA SEMANA
O livro visa e almeja exibir uma outra leitura, vertente, perspectiva, enfim, sua interpretação no cenário da importante relação previdenciária protetiva. Aderindo ao modelo do constitucionalismo do bem-estar, firmado nas premissas de tutelas sociais, no projeto de 1988 ganha a Previdência um papel nobre e sui generis, uma técnica de abrigo, acolhida e de ampla abrangência inclusiva, notadamente no conhecido Regime Geral, aquele que abriga um volumoso número de trabalhadores.Aqui, esses personagens, ora conhecidos como sujeitos previdenciários ou tão somente beneficiários, integram um pacto jurídico de custeio e também de proteção, a essência da técnica previdenciária.