A recente invasão da Ucrânia pela Rússia, tomando de assalto mídias, com suas milhares de notícias, análises, versões, narrativas, Fake News, posições ideológicas pré-concebidas, pronunciamentos de estudiosos a favor e contra um e outro país, declarações de curiosos do Tik Tok, defesas ou ataques apaixonados, torna difícil o acompanhamento pelo cidadão comum sobre o que realmente estaria acontecendo.

Fala-se em montagens, em sabotagens – de falsos guerreiros com uniformes do outro país enganando a população, de manifestações populares encomendadas – e a percepção dos acontecimentos, externos ou internos, pode ser constrangedora, dolorosa, ou mesmo mais desorientadora que esclarecedora. E, se a isso acrescentarmos que nós, seres humanos, temos a tendencia de deformar ou suprimir realidades incomodas, deixando de registrar percepções e eliminando determinados conteúdos que poderiam trazer sofrimento, fica fácil deformar a realidade.

Estes são mecanismos de defesa que ocorrem independentemente da vontade do indivíduo, suprimindo ou dissimulando a percepção do perigo real ou imaginário do mundo exterior, como se tudo fosse apenas invenção, mentira, desajuste.

Senso comum é ideia surgida no século XVIII, representando um senso natural de toda uma comunidade, razoável, prudente, e portanto universal. Hoje este conceito está desvalorizado e em descrédito, reduzido a ilusório e manipulado, pois o testemunho dos sentidos é insuficiente, a palavra dos falsos sábios está comprometida com seus preconceitos, declarações ignorantes são disseminadas: tudo induz ao erro e é forjado a partir de ideologias, nem sempre confiáveis ou bem intencionadas.

Na tentativa apressada de satisfazer a nossa curiosidade, substituímos o conhecimento pela simples admiração e as ideias pelas imagens, o que nos torna ingênuos sem possibilidade de superar os comentários banais e as simples opiniões, e os ilusionismos vindos por correntes de WhatsApp, enviados por robôs e pessoas que pensam mal ou simplesmente não pensam, pautando-se por generalidades.

Quando a crença ou a descrença se torna profunda, irrefletida, perdem todos; a dúvida é um método científico de se chegar à verdade, aceitar absolutamente tudo, como o fazem os deslumbrados por alguns ídolos, é tão nefasto para a saúde mental quanto seu oposto, descrer de absolutamente tudo, mesmo daquilo que ainda aguarda contestação.

Quando os jesuítas estiveram no Brasil para suas atividades de conversão e ensino, diziam que mais difícil que converter os resistentes era tentar converter os indiferentes, aqueles que não se importavam, que consideravam suas pregações irrelevantes. Muitos de nossos indígenas não acreditavam nem em Deus nem no diabo, e suas retóricas não os atingiam.

Em tempos altamente tecnológicos, os indivíduos não conseguem consenso, na verdade nunca conseguiram, porém as mídias sociais radicalizaram isso. A relação entre tecnologia e sociedade será sempre um processo de condicionamento recíproco, o ditado diz que a tecnologia não é boa, nem má, muito menos neutra, podendo ser utilizada para qualquer finalidade, das melhores às piores.

Aparentemente temos delas uma visão positiva e outra descrente: a Internet é uma esfera pública virtual de pleno direito, facilitadora da renovação política ou da ciberdemocracia que fomenta conhecimento e participação. No entanto, a internet pode também ser uma ameaça à democracia, destruidora de privacidade e espalhadora de ódios e notícias falsas; nela podemos nos perder em “bolhas ideológicas” nas quais não permitimos opiniões divergentes, mas sim cancelamentos e violências de todas as ordens, sem pluralismo e diversidade.

Nada como um bom sistema educacional para elucidar a verdade profunda de cada crença ou descrença, para nos preparar para uma profissão e também para a real cidadania.

 

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.