Até há alguns anos, os filmes envolvendo roubos e contravenções terminavam com os grandes bandidos presos, e era suficiente para que todos soubessem que a justiça havia sido feita.

A alegria de saber que o mundo oferecia integridade, que ao final o bem seria premiado e o mal punido, que valia a pena perseverar no bom caminho, a vontade de “estar do lado do bem”, contrasta com o sentimento expresso nos filmes atuais, de que a justiça virá com a morte do bandido e não apenas com sua prisão. Isso é resultado da total descrença em que as Instituições estão mergulhadas, qualquer adolescente sabe que no mundo real o meliante, por mais crapulosas que tenham sido suas ações, gritará sua inocência, tentará obter habeas corpus – e talvez consiga – lutará por penas brandas das quais obterá progressão e em pouco tempo estará de volta.

Há advogados, caríssimos, experts em chicanas e protelações impertinentes que impedem condenações ou cumprimento correto de penas, mediante batalhas de liminares que invalidam indícios óbvios de crime, num país onde caixas de dinheiro encontradas em um apartamento não constituem provas conclusivas, e o corrupto terminará livre, leve e solto até que o crime prescreva.

Estar do lado do mal parece em tudo mais compensador.

Embora por um lado estejamos atravessando uma fase de culto aos comportamentos e atividades mais simples, populares e acessíveis, com o exercício de hábitos menos dispendiosos, alimentos menos sofisticados, roupas mais informais, lazer módico, mais voltados à vida familiar, que combina com a fase de pandemia, e o necessário cuidado financeiro que ela nos impõe: exercitar modéstia e menos consumismo é fundamental neste momento complicado do planeta, aprender a viver mais a essência e menos a aparência preserva a natureza e nos torna melhores na convivência, por outro não é bem assim.

Estamos também voltados ao menor apreço pela cultura, um certo desprezo pelo conhecimento, um desmedido orgulho da ignorância. Diariamente somos expostos a frases grosseiras, assistimos ao reaparecimento ostensivo da violência – que nunca deixou de existir, mas não era exibida como desejável e “sincera”, que incensa o “dizer o que se pensa” até o nível mais básico da deselegância e falta de um mínimo de educação.

A religião parece deixar de ser método de reflexão e autoconhecimento para se tornar cumprimento cego às ordens de alguns espertos que lucram, e muito, com a submissão daqueles de poucas luzes, muitas vezes desesperados por uma solução para seus problemas familiares ou financeiros, que irrefletidamente podem até piorá-los, ao dispor de seus já minguados recursos para benefício desses devotos do capital. Entre eles até assassinos, pois melhor matar um companheiro que escandalizar a Deus simplesmente se separando.

De feijão mágico à água do rio santo, vendem tudo por preços exorbitantes, retirando comida da mesa dos mais pobres para comprar seus carros e mansões, tudo, claro, presentes divinos aos seus incontáveis méritos.

O humor perde sutileza: se trasveste de racismo, homofobia, misoginia, agressões. O processamento cognitivo escasso não permite perspicácia, apenas o explícito e desaforado é percebido.

Evidente que a eliminação física de assassinos, ladrões, corruptos e outros não é solução para nada e vem contra qualquer princípio de civilização e humanidade, mas em nada contribui a impunidade generalizada que parece grassar em nosso país. Se os jovens assistem aos descalabros jurídicos que se cometem até nas mais altas cortes, com o objetivo de livrar políticos, grandes empresários e “amigos do rei” da responsabilidade e punição por seus (maus) atos, o ideal de vida pode ser rebaixado ao ideal do crime.

 

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.