Desde o ensino fundamental, professores veem seus alunos pedirem aos colegas que prometam não “entregar” eventuais maus procedimentos, atos ou palavras, que tenham cometido.

Caso haja a promessa, isso é considerado um valor, um compromisso, e aqueles que mantem a palavra dada são dignos de elogios. No entanto, aqueles que delatam normalmente são punidos com desprezo e muitas vezes com exclusão dos grupos de brincadeiras; pois o que consideramos moral tem como objetivo a garantia de convivência, e sem ela não seria possível a constituição do que chamamos civilização.

Apesar disso, as relações sociais são muito mais complexas e comportam outros valores além daqueles de simples convívio pessoal. Há situações em que o segredo é prejudicial à sociedade e potencialmente perigoso; assassinos, corruptos, assediadores, evidentemente devem ser levados à justiça, e seus crimes punidos. Poupá-los favorece apenas a impunidade, e infelizmente muitos veem esta atitude como perfeitamente moral, na medida em que este pode ser um meio de não sofrer represálias ou até expressão de carinho; estelionatários, políticos desonestos, e mesmo assassinos psicopatas podem atrair estima e admiração dos demais até que as consequências de suas atividades sejam expostas e sofridas.

Grandes pesquisadores, como Piaget, psicólogo considerado um dos mais importantes pensadores do século XX, oferecem indícios de que às vezes basta apenas uma pessoa de bons costumes passar a viver com indivíduos que se desviam das normas para que haja compreensão e adesão à moral destes últimos, mesmo que inicialmente ela estivesse convencida do contrário.

A palavra dada sempre demonstrou importância na história do desenvolvimento humano, e se refletiu desde cedo na busca pela verdade desde a antiguidade clássica, sendo famosas as posições antagônicas sobre os relatos históricos de Heródoto – geógrafo e historiador grego, nascido em 500 AC – e de Tucídides – historiador nascido em 460 AC que descreveu a Guerra do Peloponeso, da qual participou – pois em Heródoto a memória das testemunhas representava a principal fonte histórica que garantia credibilidade à narrativa. Por isso, Heródoto procurava resgatar experiências passadas através de testemunhos, reconstruindo narrativas que muitas vezes eram diferentes das clássicas versões estabelecidas como verdades absolutas. Tucídides, no entanto, ressaltava a fragilidade da memória das testemunhas em recuperar os acontecimentos, uma vez que estas adicionavam aos fatos lembrados suas próprias interpretações e preferências. Por isso, a história para Tucídides deveria ser feita no presente, contando com a participação do escritor nos acontecimentos. É evidente, no entanto, que ambos valorizavam a palavra como meio de assegurar a verdade, embora jamais houvesse garantia absoluta.

As palavras têm, neste contexto, sejam elas ditas oralmente ou escritas, o sentido que denominamos palavra de honra, confiança naquele que fala, postura ética diante dos demais, o que anda em falta nos dias atuais. Elas reconfiguram as ações, e passam a fazer parte das experiências sociais, produzem memórias, ordenam e dão sentido ao que é vivido; e embora nenhuma palavra tenha um sentido definitivo, pois dependem profundamente do contexto – a mesma expressão pode ser gentil ou agressiva dependendo da forma como é utilizada – mas tem sempre o dom de modificar o presente e a história futura.

Honestidade pessoal e lealdade ao grupo a que se pertence não são necessariamente conflitantes, mas dependem sempre de reflexão e de (bons) valores definidos. Pode ocorrer que as exigências do conjunto social venham a agredir a crença ou ideologia do indivíduo, e o contrário disso também, por exemplo em multidões realizando atos que cada pessoa isoladamente jamais cometeria; são questões de difícil solução e permanecem abertas.

 

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.