Os filósofos iluministas do século XVIII, com destaque para Montesquieu, defenderam princípios republicanos em oposição aos governos autoritários não regulados por leis que eram praticamente a regra na Europa da época. Tais princípios constituíram a base ideológica da Revolução Francesa e, embora essa revolução tenha desembocado em períodos como o do Terror, com grande violência e derramamento de sangue, estabeleceu os governos centrados em Constituições e nas “três esferas de poder”, executivo, legislativo e judiciário, o que garantiria a legitimidade e o equilíbrio.
Os artesãos árabes e persas que tecem tapetes têm o hábito de deixarem em suas belas criações algum pequeno e quase imperceptível “defeito”, irregularidades na cor ou desenho que seriam uma assinatura do autor e, mais importante, a quebra da perfeição do conjunto, pois “perfeito só Deus”. Uma declaração de fé e humildade.
Infelizmente as criações humanas, materiais ou não, padecem da impossibilidade da perfeição, os princípios filosóficos, científicos ou políticos plenos de coerência e boas intenções, e perfeitos na formulação, destroem-se na execução. A Democracia, comprovadamente o “pior dos sistemas, à exceção de todos os outros” segundo Winston Churchill, ainda não foi superada como método para a escolha de dirigentes mas sofre cada vez mais seguidos ataques que visam desqualificá-la e contestar seus resultados. Desde sistemas eleitorais confusos como o norte-americano que presenteou a humanidade com Donald Trump, contestações prévias às urnas eleitorais eletrônicas do Brasil como preparação para um golpe após a derrota, as fraudes puras e simples na contagem e totalização de votos, a avalanche de notícias falsas pelas redes sociais, as derramas de dinheiro ilegal para candidatos; são quase infinitos os recursos e a criatividade empenhados para vencer irregularmente eleições, num mundo ideal esses recursos e criatividade seriam usados para governar, mas nosso mundo está muito longe do ideal.
Autoridade e autoritarismo; popularidade e populismo. O exercício equilibrado da autoridade é condição indispensável à civilização, mas ressente-se da prática do autoritarismo, a autoridade sem legitimidade e sem freios, cada vez mais comum. Os políticos e candidatos buscam a popularidade, o reconhecimento pelo público de seus méritos para governar, mas muitos, muitíssimos, desde sempre apelam ao populismo, atitudes e benesses sem lastro na realidade ou no orçamento e que inevitavelmente cobrarão seu preço com juros altíssimos no futuro quase imediato.
O surpreendente é que a maioria do mais jovens, normalmente com valores mais liberais, costumava engajar-se em formas não convencionais de participação política; a população mais velha e mais conservadora de forma geral gosta das atividades convencionais, tanto no plano profissional quanto de lazer.
Embora hoje uma leve tendência de que pais estejam influenciado um pouco mais seus filhos nas escolhas políticas pareça prevalente, isso provavelmente se deve à contaminação familiar de uma certa raiva e ressentimento, que divide a sociedade entre “nós e eles”, reconfigurando problemas políticos e questões culturais.
Esta reação cultural é canalizada por partidos, líderes autoritários e movimentos populistas que fazem uso de discursos culpando elites, políticos corruptos e a mídia tradicional, evidentemente para estimular que todos se informem apenas pelos seus veículos, recebendo portanto apenas um lado de análise dos acontecimentos, uma única verdade e muito de agressividade contra todos os demais.
É visível a ascensão de líderes e movimentos autoritário-populistas ao redor do mundo todo, inclusive em comunidades antes tradicionais, e jovens aparentemente manifestam atualmente menor preocupação com a segurança econômica e física, mas sim com o acréscimo de valores relacionados com a liberdade individual e a autoexpressão, louvando a possibilidade de dizer o que desejam por mais violentas e sem provas que possam ser suas afirmações.
Suas atitudes e comportamentos quanto aos assuntos de proteção ambiental, direitos humanos, igualdade de gênero, pessoas com deficiência, diversidade sexual, direitos dos imigrantes, parecem hoje refletir bastante a opinião de pais e familiares mais velhos, contrariamente à rebeldia contra os valores estabelecidos que pareciam ser norma até dez ou quinze anos atrás.
Trata-se de fenômeno curioso, pois mudanças culturais importantes, de expansão do acesso aos níveis superiores de ensino, fluxos migratórios, maior igualdade de gênero e urbanização crescente das cidades em detrimento da vida nos campos pareciam encaminhar à uma maior capacidade crítica e empatia para com os demais.
No entanto, hoje que uma pessoa em proeminência declara enfaticamente que o maior defeito nas sociedades ocidentais é exatamente a empatia, como se esta fosse característica desprezível. A recessão econômica, os atos de terrorismo, a crise dos refugiados parecem ter inibido a evolução em direção a valores mais progressistas, facilitando o louvor ao autoritarismo por parte do público insatisfeito com os problemas surgidos, e que exaltam a ordem acima da liberdade, a conformidade social e estabilidade.
Conservadores passaram a declarar que os novos valores são prejudiciais, imorais, que imigrantes são perigosos, que a liberação feminina ofende o sentimento de religiosidade e que é necessário reforçar as identidades tradicionais, família, fé e nacionalidade. Como esta camada continua sendo parcela significativa da população e a maioria votante, o populismo autoritário tem terreno fértil para propagar-se em função dessa insatisfação manifesta.
Jovens conservadores são a nova realidade das escolas.
Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.