Carequinha, Arrelia, Chic-Chic…
Trapezistas, saltimbancos, bailarinas…
O circo é um microcosmo da infância, de todas as infâncias, e os palhaços são a sua alma. São os “clowns” que divertem, comovem e ensinam (“o bom menino não bate na irmãzinha…”), verdadeiros filósofos coloridos que praticam a seriedade suprema de não se levarem a sério.
Na antiguidade eram a consciência dos poderosos, os bobos-da-corte que diziam ao monarca a verdade que ninguém ousava dizer. Atualmente são representados com dignidade por muitos comediantes, algo diferentes daqueles que apenas querem sucesso e dinheiro.
O contraponto dos filósofos circenses são os heróis, aqueles que arriscam a vida por um aplauso, por um sorriso, trapezistas, acrobatas, motociclistas do globo-da-morte. E no extremo da beleza, as bailarinas, de todas as idades e com todos os corpos, sempre o símbolo do desejo e da fantasia.
Foi o horror do circo máximo de Roma, onde morreram os primitivos cristãos, gladiadores, e milhares de animais, apenas para saciar a sede de sangue de uma sociedade doente. E foram também as centenas de carroções e barracas que se armavam nas praças principais das aldeias para trazer alegria e sonho aos camponeses. E muitos, muitíssimos, outros exemplos de algo que antecedeu o circo que conhecemos, ensinando pelo exemplo positivo ou negativo.
Circos e Escolas têm relação antiga, com alguma ambivalência, se o propósito das escolas é conservar, criar e divulgar o conhecimento, o dos circos não é diferente, mas de maneira menos sisuda, mais leve, como se pode esperar de uma instituição multimilenar entrelaçada ao começo da História com reuniões de conversas nas tribos, troca de segredos, e os chistes mais variados sobre os participantes. A Escola é necessariamente formal, ainda que cada vez mais aberta. O Circo é diversão pura, obrigatoriamente informal, mas tem tradições e compromissos seculares.
Parte da Educação é a transmissão do conhecimento à sociedade, e os circos de alguma forma se anteciparam a isso. Os poemas épicos fundadores da literatura ocidental, Ilíada e Odisseia, foram a princípio declamados em público, em praças, ágoras, antes que a língua helena fosse codificada de forma escrita. O Teatro Globe, em Londres, onde se fizeram as primeiras apresentações da maioria das peças de Shakespeare, desatando o teatro moderno e eterno e a língua inglesa, tinha características circenses a começar pela plateia que comia e bebia durante as funções, aplaudindo e vaiando os atores e seu desempenho, e até mesmo participando do espetáculo com agressões físicas.
Quando um circo chegava a uma cidade pequena, ou nem tão pequena assim, produzia um acontecimento com o desfile inicial pelas ruas principais em companhia de toda a garotada; as tardes e noites de função eram de gala, com espetáculos mais leves à tarde para as crianças, geralmente “subsidiados” por cupons de desconto na entrada distribuídos nas escolas, mais “sérios”, até dramáticos à noite quando os artistas se esmeravam também nas “pantomimas”, peças teatrais adaptadas ao gosto da plateia e de todos os tipos, de resumos de óperas a folhetins de aventura.
A pertinência desta atividade começa a ser reconhecida pelas instituições educacionais, dado que os Parâmetros Curriculares Nacionais afirmam que “Educar exige cuidado; cuidar é educar, envolvendo acolher, ouvir, encorajar, apoiar, no sentido de desenvolver o aprendizado de pensar e agir, cuidar de si, do outro, da escola, da natureza, da água, do Planeta. Educar é, enfim, enfrentar o desafio de lidar com gente, isto é, com criaturas tão imprevisíveis e diferentes quanto semelhantes, ao longo de uma existência inscrita na teia das relações humanas, neste mundo complexo”.
Disponibilizar aos professores e educadores o máximo de recursos didáticos, para que os sistemas educativos municipais, estaduais ou federais possam contar com largo espectro de alternativas pedagógicas na formação de crianças, adolescentes, jovens e adultos, garantindo o desenvolvimento pleno, respeitadas suas diferentes condições sociais, culturais, emocionais, físicas e étnicas, inclui atividades de circo nas escolas.
Com isso retorna a aproximação do circo com a atividade educativa, contemplando projetos sociais que buscam a inclusão, em organizações privadas e oficiais, a ampliação do conceito de cidadania dos educandos de qualquer faixa etária, principalmente aqueles em risco social.
O circo é considerado uma forma de “escola permanente”, que traduz a vida cotidiana para sua arte de forma lúdica.
Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior o Brasil – UniBrasil.