Só encontro gente amarga mergulhada no passado, procurando repartir seu mundo errado…”

A desilusão de Taiguara nesse verso reflete um sentimento comum sobre a maneira como muitos vivem o passado, algo de que não se consegue desligar quase como um bálsamo às dores do presente. O que passou, numa perspectiva de fantasia, sempre parece melhor do que está se passando.

Demagogos incensam “eras de ouro” quando os países eram ricos e poderosos e o povo era feliz, a seguir propõe uma volta a esse tempo, com eles no poder naturalmente. O presente está longe do ideal, com poluição, aquecimento global, crises econômicas, epidemias, corrupção, mas no passado havia escravidão, analfabetismo universalizado, fome e endemias generalizadas, a expectativa de vida da maior parte da população era inferior a quarenta anos, a ignorância propiciava o surgimento constante de “salvadores” e, como hoje, atacava-se as vacinas. O passado é fluido, como já aconteceu está sujeito a interpretações várias, nem sempre bem intencionadas.

Duas pessoas que jantem juntas se instadas em seguida a apresentar seu relato dirão coisas diferentes, até mesmo radicalmente diferentes, as lembranças estarão ligadas a questões e gostos pessoais de cada uma. Fatos básicos, como o nome do restaurante e o cardápio provavelmente coincidirão, mas a relevância que se dará a outros itens será pessoal, a comida, a bebida, a música, o serviço, o ambiente, a conversa, é praticamente impossível que se dê destaque ao mesmo tema com a mesma intensidade. E no entanto estarão falando do mesmo passado.    

Num jogo de paradoxos entre estudantes afirma-se que o presente não existe, no exato instante em que é “capturado” pela consciência já é passado, que é o único tempo existente embora como já tenha acontecido não seja mais real, e o futuro é totalmente inexistente. O corolário deste raciocínio, digamos assim, é que nenhum tempo existe. Ainda que seja absurdo, tal conceito tem sua utilidade em pesquisas complexas de partículas subatômicas e mecânica quântica.

O jogo dos jovens ecoa o paradoxo proposto pelo filósofo grego Zenão; conta-se uma corrida entre o herói Aquiles e uma tartaruga, o quelônio largaria com uma pequena vantagem e jamais seria ultrapassado por Aquiles: cada vez que o herói percorresse determinada distância no tempo, a tartaruga percorreria outra continuando à frente, é óbvio que seria alcançada e ultrapassada facilmente, mas a ideia geral é interessante e tem algum tipo de relação com o Cálculo Infinitesimal proposto por Newton e Leibniz.   

Um personagem de Luiz Fernando Veríssimo declara com empáfia: “hoje é o ontem de amanhã”, e não está errado na racionalização da passagem do tempo.

O tempo e suas “etapas”, passado, presente e futuro, nos fascinam e apavoram como tudo sobre que não temos controle, embora os velhos comerciantes de relógios e ampulhetas pretendessem nos vender instrumentos para isso.

Na Antiguidade o tempo e a História, sua suposta expressão, eram interpretados como produto da vontade divina independente de leis de desenvolvimento; a falta de unidade dessa teoria levava a um sentido vago do destino, numa natureza em mudança constante. Vários filósofos, gregos principalmente, refletiram sobre essa questão, dando origem a teorias sobre uma tendência geral do processo histórico  

A descoberta desta noção de mudança é devida a Heráclito de Éfeso, cinco séculos a.C, sua originalidade foi perceber que não havia uma estrutura estável, nenhum cosmos, e sim um processo colossal em que o mundo não é a soma de todas as coisas, e sim o resultado de todas as mudanças, dos acontecimentos. Até então considerava-se o mundo como a totalidade das coisas, o cosmos, e os estudos viam filosofia e física como investigações da “natureza”, o material original de construção do mundo.

Segundo Heráclito a unidade do mundo, só poderia ser apreendida pela razão, o que foi uma revolução numa sociedade até então tribal, estável e rígida, regida por tabus sociais e religiosos; onde cada pessoa tinha lugar marcado desde o nascimento pelo conjunto da estrutura social.

Esta sociedade não distinguia as determinações legais daquelas essencialmente naturais, pois ambas eram “mágicas”, não havia crítica racional.

A educação de todos, mesmo que ainda deficitária como a brasileira, faz diferença nas concepções de mundo e direitos humanos.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.