Segundo o dramaturgo inglês Christopher Marlowe, que teve a infelicidade de ser contemporâneo de Willian Shakespeare o que o ofuscaria e a qualquer um, o rosto de Helena de Troia teria “lançado ao mar mil navios”.

Quase tantos navios foram lançados ao mar por razões mais prosaicas que um romance épico, a busca por especiarias. Eram condimentos de uso culinário e fabricação de cosméticos, em tempo que não havia muitas formas de conservar alimentos, principalmente pimentas, gengibre, cravo, noz-moscada, açafrão, canela, cardamomo; a maioria deles não poderia ser cultivada com sucesso na Europa por conta do clima e precisava ser importada de países orientais, principalmente da China e da Índia. O comércio de especiarias era altamente lucrativo, assunto de interesses nacionais, e as rotas marítimas pelo Mediterrâneo eram controladas pelos venezianos e genoveses.  

O que conhecemos como as “Grandes Navegações” em que principalmente portugueses buscaram e encontraram rotas alternativas às dos italianos, descobrindo afinal formas seguras de contornar o continente africano, foi uma procura pelo controle das especiarias. Também como resultado, talvez não intencional, achou-se o Brasil e outras terras, e Portugal alçou-se à glória econômica, ainda que fugaz.

Muito antes disso caravanas terrestres transportavam condimentos, embora com um custo humano e material enorme. As ruínas da maravilhosa cidade de Petra, na Jordânia, são recordação de um entreposto comercial daquela época.

Especiarias eram usadas para temperar alimentos e na produção de cosméticos e perfumes. Contextualizando: aromas são “substâncias ou mistura de substâncias, possuidoras de propriedades sápidas e odoríferas ou somente sápidas, capazes de conferir odor e/ou sabor aos alimentos e bebidas”, temperos; enquanto as fragrâncias, por sua vez, são “substâncias dotadas somente de propriedades odoríferas”, perfumes.

Desde a antiguidade as pessoas buscaram se “perfumar”, modo até de disfarçar o mau cheiro decorrente da dificuldade de manter higiene corporal em ambientes de pouca água disponível e clima hostil. Também foram usados muitos recursos para melhorar o odor de ambientes, com a queima de madeiras como sândalo e cedro e ervas diversas, parte também de cerimonias religiosas, algo que vêm até nossos dias com o uso de incenso em liturgias de muitas crenças. E no princípio do manejo do fogo especiarias foram empregadas na culinária para dar cheiro e sabor aos alimentos.

Quando pensamos em fragrâncias, mesmo jovens e crianças lembram imediatamente o cheiro de substâncias ou perfumes, ou evocam intimamente uma lembrança perdida, uma pessoa ou algum lugar; parece haver uma ligação estreita entre olfato e memória.

Alguns dos primeiros relatos de preparação de perfume estão no templo ptolomaico de Edfu, inscritos nas paredes de um depósito, e estas inscrições parecem ter sido copiadas de um texto ainda mais antigo, chamado “Livro de Unguento” que teria sido armazenado no Templo de Dendara. A criação levava até dois anos para ser concluída, de início macerando 1000 lírios em óleo com especiarias, coados e desnatados

Presumimos que fabricação de perfume deve ter sido uma grande indústria no Egito, embora nenhum centro de produção tenha sido até hoje desenterrado, mas aparece na decoração de alguns túmulos, uma representação da 26ª Dinastia do espremer de flores se encontra no Museu do Louvre; outra é uma sequência de figuras pintadas na parede da tumba tebana anônima datando de meados da 18ª Dinastia e que mostra moagem, peneiração, cozimento e engarrafamento.

Mesmo o famigerado imperador romano Nero já dizia que “nenhuma orgia estaria completa se não houvesse perfumes”.

Em nossos dias a indústria de aromas e fragrâncias é bilionária, não há praticamente nenhum segmento de produção que não os utilize, mesmo roupas e calçados infantis recebem componentes que despertam memórias, de doces ou frutas.

Tudo que desperta lembranças é favorável à aprendizagem, e o olfato sempre foi, e é, um sentido particularmente poderoso como facilitador dos processos de memorização e armazenamento de dados importantes para a sobrevivência humana no planeta.

Embora com faro menos desenvolvido que o de muitos animais, quando o cheiro permite saber onde existem alimentos, que normalmente exalam odores, contribui muito para a manutenção da saúde das comunidades, e associar miasmas a certos venenos de forma idêntica.

Em escolas este recurso não pode ser esquecido nos processos de ensino-aprendizagem, tudo que facilita memorização é bem-vindo, emoções são fundamentais para auxiliar a aquisição de conhecimentos.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.