Mesmo com ameaças — algumas vezes já concretizadas, como aconteceu com o Instituto Nacional de Musica do Afeganistão, onde um militante taleban explodiu-se tentando atingir o diretor, Ahmad Naser Sarmast — países nas áreas de atuação do Estado Islâmico ou Taleban possuem algumas escolas oferecendo o ensino da arte aos estudantes.
Isso acontece porque é indiscutível a melhoria do processo educacional, quando dele faz parte toda, ou pelo menos alguma, das manifestações artísticas humanas.

Segundo o educador Demerval Saviani, o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens, complementando que a produção social do saber não é obra de cada geração independente das demais. Portanto, toda formação estética tem sido indispensável ao enfrentamento das novas demandas do mundo do trabalho, e a atividade criadora, segundo diretrizes emanadas do próprio Conselho Nacional de Educação, é uma atitude diante de todas as formas de expressão, que deve estar presente no desenvolvimento do currículo na gestão escolar, e não se dissocia das dimensões éticas e políticas da educação.

No atentado citado, houve evidentemente uma mistura de incompreensão para com o ensino de artes e a violência de gênero, já que o fato de turmas serem mistas, misturado meninas e meninos, principalmente com o véu sendo opcional para as garotas, provocou a ira dos grupos extremistas. Mas a continuidade das atividades desta mesma escola após o atentado tem sido exemplo de coragem e persistência, mostrando ao mundo que a educação musical é fundamental para o amadurecimento e plena expansão da capacidade criativa da juventude.

E não apenas a música, mas várias outras formas de exercício criativo, como pintura, escultura, artesanato, tem complementado a formação de jovens e adultos, permitindo que se expressem e se integrem mais adequadamente à sua comunidade, sejam mais solidários e inclusivos. De fato, quando compartilhamos o espaço vital com as manifestações artísticas, não educamos apenas o olhar, mas principalmente o espírito.

O trabalho educativo é mais completo e eficiente se dele fizer parte a formação estética, por interferir na atividade criadora. Embora tradicionalmente uma escola trabalhe com o conhecimento lógico, não apenas este promove a formação integral, já que a educação humanista tem múltiplas dimensões, não pode ter qualidade um processo educativo que vise tão somente capacitar um executor de tarefas mecânicas.

Embora o exercício profissional exija eficácia técnica para a solução dos problemas rotineiros, a verdadeira inovação normalmente virá daqueles que tenham perspicácia e maior conhecimento de si mesmo e dos demais, uma aceitação do Outro e pouco medo de tentar coisas novas, o que é muito facilitado se o processo educativo envolveu arte e cultura. A ênfase exclusiva nos procedimentos racionais muitas vezes não permite compreender os relacionamentos sociais com maturidade e discernimento.

Talvez seja a isso que reagem as organizações radicais, essa possibilidade de aceitar o diferente, que nem todos sejam iguais ou pensem da mesma forma: a estupidez do atentado terrorista à casa de shows Bataclan, em Paris, onde músicos se apresentavam, teve recentemente uma resposta, que mesmo não consolando aqueles que perderam entes queridos, expressa a importância de não ceder ao obscurantismo, à violência e ao desespero, pois haverá reabertura deste local em que jovens se reuniam.

O orgulhoso desafio da líder basca La Pasionaria aos esbirros de Franco na guerra civil espanhola: No pasarán!, não passarão, permanece atual e cada vez mais necessário.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.