A quarta feira que sucede à terça feira “gorda” do Carnaval é chamada “Quarta-Feira de Cinzas” devido antiga tradição católica na qual as pessoas que recebem a Comunhão neste dia são marcadas com uma cruz de cinza na testa. Isso é símbolo de humildade e expiação dos pecados cometidos durante a festa, marcando o início da Quaresma, período anterior à Páscoa no qual recomenda-se recolhimento, orações e jejum.

Independente do sentido religioso, é saudável para o corpo e a mente fazermos períodos de introspecção, moderação e abstinência de certos alimentos ou bebidas; praticamente todas as grandes religiões os recomendam, como o Islamismo no Ramadã, os jejuns rituais do Judaísmo, Budismo, e várias outras.

Muitas correntes filosóficas sempre estimaram a virtude e o autocontrole, uma delas é o Estoicismo criado na Grécia no século IV a.C. que valorizava o conhecimento e tudo que a própria pessoa podia controlar vencendo as paixões e desejos extremos, inclusive as autoindulgências com alimentação; a importância desta escola tornou-se quase universal, dela nascendo o termo “estoico” para designar certa impassibilidade frente a prazeres e sofrimento.  

O jejum preconizado na Quaresma era radical nos termos do tempo antigo, proibia-se o consumo de carne vermelha, possivelmente algo associado à proibição de derramar sangue, apenas peixes e verduras eram permitidos, em sociedades de pescadores nas quais pescados eram alimentação trivial. Atualmente os hábitos foram flexibilizados, mesmo entre os fiéis, e não parece fazer sentido chamar de sacrifício comer belas bacalhoadas ou moquecas de camarão, entre os que podem se dar este luxo. A maioria da população que desejava “jejuar” e não tinha acesso aos alimentos recomendados foi entendida por um Papa compassivo que autorizou a quebra da rigidez: “se tiverem alimento, comam”, deixando claro que a questão não é o ritual, é a fome que atormenta parte da humanidade.

Nos “templos” laicos de nossa época, os centros de estética e academias de musculação, as recomendações aos clientes que procuram a beleza e o bem estar seguem as mesmas regras milenares: disciplina, contenção, alimentação saudável. Embora isso nem sempre seja seguido à risca, com a busca de atalhos como cirurgias corretivas, drogas anabolizantes e outros venenos, com resultados fugazes e perigosos à saúde.

Se há regras para tentar viver muito e bem, elas estão escritas há séculos, e não se aplicam apenas aos praticantes de determinadas religiões ou filosofias, temos milênios de vida animal, embora poucos de racionalidade como a entendemos atualmente; e nada indica que excessos possam nos fazer bem. Aparentemente comer pouco, ser disciplinado no comportamento, viver sem conflitos em grupos melhoram nossa saúde e prolongam nossa vida.

Locais onde se cultiva o conhecimento, como escolas, madrassas, casas dos livros, grupos de estudos, agrupamentos corânicos e muitos outros recomendam sempre parcimônia em alimentação e principalmente bebidas, compartilhamento de bons sentimentos e desejo de autoconhecimento. Saber mais sobre nós mesmos e o mundo que nos cerca, ter discernimento sobre o bem e o mal, adotar estilo de vida comedido e estudioso da trajetória humana, cuidar da educação em todos os aspectos de nossa vida tem se mostrado essencial para uma vida pessoal e profissional de qualidade.

A Quaresma nos convida a tudo isso, à solidariedade e empatia para com o sofrimento alheio e principalmente restrição da agressividade; mais paciência com aqueles que não pensam como nós e levam uma vida bastante diferente daquela que julgamos ideal, e a ter uma vida mais plena e inclusiva.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.